Ñêàòèëàñü ñëåçà è îò áîëè Ñæèìàåòñÿ ñåðäöå â ãðóäè, Íåìíîãî åù¸ è ÿ âçâîþ Î,Áîæå,ìåíÿ îòâåäè Îò ìûñëåé ãðåõîâíûõ,çàïðåòíûõ. Ìîãó óìåðåòü îò ëþáâè. Áåæàòü ÿ ãîòîâà çà âåòðîì Ïî ñàìîìó êðàþ çåìëè. Áåæàòü îò ñåáÿ-áåçíàä¸ãà, Áåæàòü îò íåãî...Âïåðåäè Ïîêîé,âïðî÷åì øàíñîâ íåìíîãî, Ïðîøó ëèøü,ìåíÿ îòâåäè Îò ìûñëåé ãðåõîâíûõ,çàïðåòíûõ, À âñ¸ îñòàëüíîå,ï

Sumalee

Sumalee Javier Salazar Calle Uma viagem a Cingapura para dar in?cio a uma nova vida. L?, o protagonista conhecer? a esperan?a, a trai??o, a dor e viver? uma t?rrida hist?ria de amor com uma mulher avassaladora. Como ele foi parar no inferno de Bang Kwang, uma pris?o tailandesa de seguran?a m?xima? O que fez com que ele se transformasse em um homem totalmente diferente, capaz das mais obscuras atrocidades? Uma hist?ria apaixonante de m?fia, mist?rio e viol?ncia que levar? o leitor por uma torrente de sentimentos e aventuras que o prender? desde a primeira p?gina. Novela carregada de emo??es que, junto a um surpreendente final, n?o deixar? ningu?m indiferente. ?s vezes a vida n?o d? muitas op??es e as que ela oferece n?o tem porque serem as que mais te agradam. Voc? nem sequer tem que gostar delas. Sumalee Hist?rias de Trakaul de Javier Salazar Calle Traduzido por Mariana Baroni Ilustra??o da capa © Sara Garc?a Ilustra??es internas @Elena Caro Puebla Foto do autor © Ignacio Insua T?tulo original: Sumalee. Hist?rias de Trakaul. Copyright © Javier Salazar Calle, 2020 3? Edi??o (revisada) Siga o autor: Website: https://www.javiersalazarcalle.com (https://www.javiersalazarcalle.com) Facebook: https://www.facebook.com/jsalazarcalle (https://www.facebook.com/jsalazarcalle) (https://www.facebook.com/jsalazarcalle) Twitter: https://twitter.com/Jsalazarcalle (https://twitter.com/Jsalazarcalle) LinkedIn: https://es.linkedin.com/in/javiersalazarcalle (https://es.linkedin.com/in/javiersalazarcalle) YouTube: http://www.youtube.com/user/javiersalazarcalle (http://www.youtube.com/user/javiersalazarcalle) Todos os direitos reservados. ? proibida a reprodu??o total ou parcial deste documento por qualquer procedimento eletr?nico ou mec?nico, inclusive fotoc?pia, grava??o magn?tica e ?tica ou qualquer sistema de armazenamento de informa??es ou sistema de recupera??o sem permiss?o dos propriet?rios do copyright. Dedico a Raquel, a melhor amiga que algu?m poderia desejar. Agradecimentos: A Antonio Fern?ndez, por contribuir com seus extensos conhecimentos sobre Cingapura e revisar o livro; a Josele Gonz?lez, pela fant?stica p?gina da Web que me fez (www.javiersalazarcalle.com (http://www.javiersalazarcalle.com)); e a meus leitores beta, por tornarem este livro muito melhor: minha mulher, Elena Caro; minha irm?, Pilar Salazar e meu pai, Jose Antonio. ?NDICE Tail?ndia 12 (#ulink_531263f0-6fee-515a-8fb2-b4fd1b44be7b) Cingapura 1 (#ulink_c6d6797b-a460-57a5-8c00-930ac647a1f2) Cingapura 2 (#ulink_349ed04d-8f72-59fa-bbdc-c802d035ae97) Cingapura 3 (#ulink_ab46231c-63d9-5ac3-bc8d-1916bca746c8) Tail?ndia 13 (#ulink_1da3e428-f1fc-512c-b73c-804adb792bc3) Cingapura 4 (#ulink_a5169663-4f7d-5455-8750-d025eb2f426c) Cingapura 5 (#ulink_d54240f6-e25a-5428-b29d-2a85c0783880) Cingapura 6 (#ulink_ee8a251b-65b7-5543-8426-7464529486ff) Tail?ndia 14 (#ulink_21a9d657-5b74-5b23-9679-9d2bd153561f) Cingapura 7 (#ulink_6503cd79-9b69-5326-87bc-ba9bba79d59d) Cingapura 8 (#ulink_43c52f84-a25e-5bde-8df6-53deb5084061) Cingapura 9 (#ulink_ae8fd1a8-4cd0-5ec9-9d5b-15a19d837b95) Tail?ndia 15 (#ulink_6d61a92f-ff43-53e0-b4fb-c51d49852a90) Cingapura 10 (#ulink_6ea193d0-f899-5af7-9c2f-a9ef522add51) Cingapura 11 (#ulink_6b29db2a-f20b-5d17-8aa9-803331353123) Cingapura 12 (#ulink_1314fdc6-00fe-591a-9e54-c04cb4fb16e8) Cingapura 13 (#ulink_d27f1acc-4770-543a-a7cd-f1def61a8c5d) Tail?ndia 1 (#ulink_dc2e86eb-f777-5158-b7be-f44ea2d0a7f2) Tail?ndia 2 (#ulink_ecaeb66f-f611-5db6-ae4d-7f29d8783398) Tail?ndia 3 (#ulink_902d8597-449d-5cc9-90c5-f5881ffdf690) Tail?ndia 4 (#ulink_3bb5a717-a692-54d7-9fae-5b3fd6c9e622) Tail?ndia 5 (#ulink_4d5e475c-f71a-5037-9301-c574fac7586f) Tail?ndia 6 (#ulink_6f661a14-bc6a-5c57-ad82-a94283537559) Tail?ndia 7 (#ulink_990c6913-3dab-5b31-8dd8-4799ceae96f4) Tail?ndia 8 (#ulink_fab2cc66-e8ff-52c2-ae8a-5154e93ca687) Tail?ndia 9 (#ulink_75f0083d-e84d-5e36-a5b3-4ced2f02a699) Tail?ndia 10 (#ulink_70941821-9b92-5ef8-82ce-a510d5d4f22b) Tail?ndia 11 (#ulink_1843be7a-8fc4-5130-9551-48323898d985) Tail?ndia 16 (#ulink_33513604-631a-5c4f-bd29-c4524d9621a2) Tail?ndia 17 (#ulink_b21c648a-a39c-5c56-bfbf-593c29bf9d51) Tail?ndia 18 (#ulink_ea18fd17-fb9a-5a43-87e0-b6c2b6048e89) Tail?ndia 19 (#ulink_9702ed3f-c764-5bc8-9135-b3a29acfe331) Tail?ndia 20 (#ulink_2dbd0038-3527-5ab5-b997-7d86f6dda434) Tail?ndia 21 (#ulink_d07cfadc-5057-5efa-a152-2a571dcdf00c) Tail?ndia 22 (#ulink_45663114-19c5-53a3-a4fc-bd03124493c1) Tail?ndia 23 (#ulink_911033b4-7f73-5590-8ad1-737d00fed6bc) Tail?ndia 24 (#ulink_987bf6e4-4dac-5b82-a5ec-d6129dfdcf27) Tail?ndia 25 (#ulink_47b85aa0-0855-5fe3-8cac-ccf765ab3707) Tail?ndia 26 (#ulink_d59ce4cd-074e-5fb2-ab15-8cf7303c16a2) Tail?ndia 27 (#ulink_d1abff74-33ec-504e-aae8-26886a75b869) Tail?ndia 28 (#ulink_e0cfa8b9-edc0-5564-a150-e95105360375) Tail?ndia 29 (#ulink_c791811a-a38b-5803-9aa9-e52da9cb4d9f) Tail?ndia 30 (#ulink_47557282-a8a0-5784-b2bd-11e93fb81703) Outros livros do autor (#ulink_bea403d1-650e-546f-a1e6-24fd4d7df725) Sobre o autor (#ulink_2d8b258d-b8e4-5082-8c0c-521d4762fcb3) Tail?ndia 12 A primeira porrada me deixou meio aturdido. A segunda me derrubou no ch?o. Ali, recebi um monte de chutes durante v?rios minutos. Tentei me encolher como um beb? e cobri a cabe?a como pude. Um deles gritou, se divertindo: — Voc? sabe bem como apanhar. Quando se cansaram, eles foram embora do mesmo jeito que chegaram, andando com calma, rindo. A multid?o se dispersou em seguida e quando abri os olhos, tudo parecia normal ? minha volta, como se nada tivesse acontecido. Cada preso com suas coisas. Lei do sil?ncio. N?o era a primeira vez. Tinham me acertado nas marcas de todas as surras anteriores, sobre hematomas com toda sorte de cores em todas as suas fases de evolu??o. Em um deles, de um soco no olho, me deixaram com a vis?o emba?ada por um par de dias, mas acabei me recuperando. Nesses dois dias, eu estava convencido de que ficaria cego para o resto da vida. A certeza era aterradora, muito mais que a les?o em si. Em outra ocasi?o, quando me deram um tap?o no ouvido, fiquei enjoado por uma semana. Tamb?m tinha v?rias costelas lesionadas, n?o sabia se quebradas, e dores de todo tipo em cada parte do corpo. Me lembrava dos temos da juventude, quando eu dava uma de valent?o e todo dia sa?a na porrada com algu?m. Aprendi que proteger a cabe?a era o fundamental. O resto sarava; melhor ou pior, mas sarava. O que era sinistro nessa situa??o, o mais humilhante, era ver como os guardas da pris?o eram espectadores ? dist?ncia em muitas dessas surras. At? riam e apostavam. Sobre o que? N?o sabia, porque me limitava a receber as porradas desejando que acabassem o mais r?pido poss?vel. Talvez sobre se aquela seria a surra que me mataria. Tentei me levantar, mas uma dor aguda no peito me impediu. Ali, no ch?o do corredor, de joelhos, eu tentava abrir a boca ao m?ximo para poder pegar a maior quantidade de ar para aliviar minha sensa??o de sufocamento, de asfixia. Eu estava me concentrando em respirar de forma lenta e profunda, mas n?o conseguia. Levei um tempo para diminuir meu ritmo card?aco e poder respirar novamente com relativa normalidade. Com um ?rduo esfor?o fiquei de p? e, cambaleando, apoiando-me nas paredes, me esquivando de outros presos que me ignoravam, cheguei ? minha cela. Minha e de mais quarenta pessoas. Uma vez ali, sentei-me no colchonete e fiquei um tempo quieto, tentando deixar a mente em branco e isolar-me de tudo o que me rodeava, incluindo a dor que percorria meu corpo de cima a baixo. Um corpo que pedia aos gritos que eu me deitasse e n?o me levantasse por algumas horas, mas eu sabia que n?o podia fazer isso. Eu sabia. Minha sobreviv?ncia dependia disso. Fiz o que eu tinha que fazer. O que era necess?rio. Me levantei e comecei minha rotina de treinamento. Alongamentos complexos, flex?es, agachamentos… Trabalhando cada parte do corpo de forma independente e junto com as demais. A dor era quase insuport?vel, mas nem por isso parei; mesmo chorando em sil?ncio, molhando o ch?o com minhas l?grimas. Nunca deveria mostrar fraqueza. Se eu quisesse sobreviver, se quisesse poder sair algum dia dali sem que fosse no triste caix?o de papel?o que usavam, eu deveria continuar. Acabei o treinamento, tanto com os movimentos que eu tinha aprendido com meu antigo professor de boxe, quanto imitando o que eu via os prisioneiros que treinavam Muay Thai fazerem no p?tio, aprendendo a lutar como eles, com a diferen?a de que eles faziam isso diante de todos, em plena luz do dia, e eu s? treinava quando ningu?m estava me vendo. Afastado de todo olhar curioso. Preparando-me nas sombras. Algum dia, que eu esperava que fosse logo, me sentiria preparado e n?o me limitaria a receber os golpes, tentando minimizar o dano, mas responderia de forma brutal, certeira e sem compaix?o. Matando, se fosse necess?rio. Sim, mataria sem pensar duas vezes. Nesse dia, eu ganharia o respeito deles e terminaria essa parte do pesadelo que estava vivendo. Eu tinha que garantir minha vit?ria de qualquer jeito, porque se me levantasse conta eles e n?o triunfasse de forma a n?o deixar espa?o para d?vidas, me matariam. Pode ter certeza disso. Enquanto isso, s? me restava ter paci?ncia e tentar me manter com vida at? esse momento, sem sofrer nenhum dano irrepar?vel. Eu tinha visualizado na minha cabe?a mil vezes esse momento. Com mil variantes, com diferentes finais, em todo tipo de cen?rio, tentando prever qualquer possibilidade. Em breve, muito em breve, chegaria a minha hora. Ou morreria. Mas como eu tinha chegado a esta situa??o, quando h? apenas algumas semanas eu era David, um insignificante profissional de TI nos escrit?rios de uma institui??o financeira de Madri? Que circunst?ncias tinham me empurrado para esta situa??o inconceb?vel em t?o pouco tempo? Enquanto eu lutava contra o sofrimento, enquanto seguia com o calv?rio que me levava ao exerc?cio, repassava as infelizes circunst?ncias vividas. Que me empurraram de uma vida tranquila no departamento de inform?tica de um banco para estar preparando0me para poder matar alguns indesej?veis que abusavam de mim constantemente na temida pris?o de Bang Kwang, a sete quil?metros ao norte de Bangkok, na Tail?ndia. Uma das pris?es mais perigosas do planeta. O po?o de perdi??o onde eu me encontrava. Meu final, se eu n?o fosse capaz de inventar um caminho que me salvasse. Cingapura 1 Algumas semanas antes… Me custou v?rias tentativas para conseguir desligar o despertador. No segundo tapa, quase que eu o atiro da mesa de cabeceira. Sentei-me na borda da cama e estiquei os bra?os enquanto dava um grande bocejo. Mais um dia de trabalho. Como um aut?mato, levado pela rotina, comi o caf? da manh?, tomei uma ducha e me vesti. Quarenta minutos depois de ter me levantado, estava arrancando com o carro. No caminho do trabalho, repassei meus ?ltimos meses. Marcado pelo rompimento com minha namorada de sempre, ainda n?o tinha conseguido levantar a cabe?a. Depois de sete anos, parecia que ela tinha se cansado de mim e me deixou para ficar com um suposto amigo que eu mesmo apresentei a ela e com quem, pelo que fiquei sabendo logo, j? estava envolvida h? muito tempo. Eu estava cego durante todo esse tempo, sem ver o que os outros me avisavam. Desde ent?o, eu andava como uma alma penada, sempre cabisbaixo e triste. Desolado. Tinha me refugiado no boxe, que eu praticava v?rias vezes na semana. Esmurrava o saco de pancadas e os companheiros colegas de treino, como se essa adrenalina fosse capaz de devolver minha vida. Al?m disso, eu n?o gostava nem um pouco do projeto em que estava trabalhando no banco. Todo O dia todo fazendo testes, sozinho, com uma tediosa ferramenta e anotando os resultados em um documento padronizado. Resultado correto, resultado incorreto, ocorr?ncia. ?s vezes, eu olhava pela janela do quarto andar, onde ficava minha mesa, e tinha vontade de me atirar por ela. De forma figurada, claro. Nunca tinha pensado em algo t?o dr?stico como o suic?dio. Eu estava triste, n?o destru?do. Resultado correto, resultado incorreto, ocorr?ncia. O que eu n?o sabia era que esse dia ia mudar minha vida para sempre. De uma forma que eu nunca havia imaginado. Depois de meia hora dirigindo e um tempo dando voltas para encontrar lugar para estacionar, cheguei ao meu posto no escrit?rio. Liguei o computador e fui cumprimentar outro colega. Quando voltei, dei uma olhada r?pida, como todas as manh?s, nos e-mails recebidos. A mesma coisa de todos os dias: testes, testes, resultados de testes, perguntas sobre os testes, solicita??es de testes, relat?rios de testes e previs?o de testes. Apenas um e-mail era diferente do restante. Era do meu gerente, enviado no dia anterior ? noite, me pedindo para que ligasse para ele para conversar sobre um assunto. N?o tinha nem ideia do que poderia ser, mas seja l? o que fosse, tudo o que sugerisse fazer algo diferente, ainda que fosse por cinco minutos, seria bem-vindo. Olhei para o rel?gio. Nove e meia. Bom hor?rio. Peguei o celular do trabalho, procurei pelo Valent?n na agenda e liguei. — Pois n?o? — soou a voz de Valent?n. — Oi, Valent?n. ? o David. Acabei de ler seu e-mail e estou te ligando para ver o que voc? queria me contar. — Bom dia, David. Como vai? — Entediado. Voc? sabe que esse projeto que me designaram vai me matar. Diga que tem algo para mim. Preciso de uma mudan?a. — Pode ser. O que voc? sabe sobre Cingapura? — Cingapura? — Aqui ele j? tinha conseguido atrair minha aten??o. Fiquei em p? e fui at? a sala de reuni?es pr?xima, que estava vazia. — N?o sei, Valent?n… Um pa?s pequeno da ?sia, com bom n?vel de vida, muito civilizado, falam chin?s e ingl?s… — ? a? que eu queria chegar! — gritou Valent?n. — Falam ingl?s, como voc?. Era verdade, eu sou bil?ngue. Minha m?e era americana. Apaixonou-se por meu pai e veio morar e trabalhar na Espanha. Poucos anos depois de eu nascer, meu pai desapareceu sem dizer nada. Nunca se soube mais nada dele. Todo mundo pensava que ele tinha abandonado minha m?e, mas ela sempre acreditou que tinha acontecido alguma coisa com ele, porque estavam apaixonados at? o ?ltimo fio de cabelo. Em todo caso, eu me criei sem pai desde os dois anos, coisa que teve muita influ?ncia em minha inf?ncia e adolesc?ncia, e falando ingl?s desde ent?o. — O que voc? est? me propondo ent?o? — David, surgiu um projeto em Cingapura de uns seis meses de dura??o, ampli?vel a dois anos, no qual voc? se encaixa perfeitamente por causa dos seus conhecimentos e do idioma. Sei que ? um pouco precipitado, mas preciso que me diga algo entre hoje e amanh?, porque existe uma urg?ncia para come?ar a cuidar de toda a papelada. — Levantei as sobrancelhas, expectante. — Vou te mandar todas as informa??es do projeto e das condi??es nas quais voc? iria. Qualquer coisa, me liga e esclareceremos tudo. O que acha? — N?o sei o que dizer, Valent?n. Voc? me pegou um pouco de surpresa… — Eu sei, eu sei. Pense nisso e amanh? voc? me d? uma resposta. N?o estava cansado de fazer testes? Essa ? sua oportunidade e, se voc? se der bem, isso ajudar? muito na sua poss?vel promo??o deste ano. Vou te mandar o e-mail. Pense e amanh? voc? me fala. Ei, sei eu n?o achasse que voc? se encaixava bem, n?o teria tocado no assunto. — Tudo bem, tudo bem. Amanh? te dou uma resposta. De qualquer forma, obrigado por se lembrar de mim. Quando desliguei o telefone, fiquei pensativo. Ao chegar ? minha mesa, o e-mail de Valent?n j? estava na caixa de entrada. Estava claro que ele tinha pressa. Abri e li todas as informa??es. Projeto interessante, pa?s com refer?ncias incr?veis, boas condi??es financeiras que inclu?am o alojamento e, acima de tudo, sair daqui por um tempo; afastando-me da lembran?a da minha ex e dos chat?ssimos testes. Estava claro. Cinco minutos depois da liga??o eu j? sabia qual era minha decis?o. Ainda assim, decidi esperar at? o dia seguinte para dar ao meu c?rebro a chance de repensar, ainda que, quando eu tomava uma decis?o, e costumava fazer isso muito rapidamente, poucas vezes eu mudava de ideia. Ao chegar em casa, a ?nica coisa que fiz foi verificar se meu passaporte estava em ordem. O que de verdade eu sentiria falta era todos os esportes que praticava: corrida, basquete, futebol, t?nis, escalada… eu era um apaixonado por tudo o que sugeria esfor?o ou risco, especialmente se fosse ao ar livre. Por outro lado, em Cingapura eu poderia praticar esportes de mar que em Madri era imposs?vel e s? podiam ser aproveitados no ver?o, como mergulho, navega??o ou jet ski. Eu teria que fazer muito pouco para pratic?-los vivendo em uma ilha. Voltei ao trabalho. Resultado correto, resultado incorreto, ocorr?ncia. No dia seguinte, ao meio-dia, liguei para Valent?n e comuniquei minha decis?o. Iria para Cingapura. Ele me mandou os detalhes da viagem e come?amos a reunir toda a documenta??o. Personalised Employment Pass, EntrePass, Work Permit... Era um monte de op??es e vistos. No fim, o que eu precisava era um Employment Pass, um visto de trabalho. Para este tipo de licen?a, era a empresa que solicitava em nome do candidato, mas tive que traduzir meus t?tulos acad?micos (mas assim que cheguei a Cingapura, tive que homologar os originais com um tradutor juramentado de l? e esperar que fossem aprovados pelo Minist?rio do Trabalho), preencher formul?rios para o seguro sa?de, providenciar c?pias do passaporte e do registro de trabalho da minha empresa… O fato de n?o ser uma mudan?a de empresa, mas uma transfer?ncia e de a companhia se encarregar de quase todos os tr?mites tornou o processo muito mais simples. Algumas semanas depois, eu estava no aeroporto de Barajas pegando um voo a Qatar Airways a caminho de Cingapura. As outras pessoas da equipe j? estavam ali h? algumas semanas preparando o lan?amento do projeto e lendo documenta??es. A empresa pagava um apartamento de tr?s dormit?rios compartilhado com dois colegas, por isso, n?o teria que me preocupar em buscar correndo um lugar para morar e teria a oportunidade de conhecer gente desde o primeiro dia. Eu tinha comprado um livro de viagem sobre o pa?s que li durante o voo. Tempo era o que n?o me faltava: dezesseis horas de voo com escala em Qatar. Era para se imbuir de paci?ncia. O livro come?ava com a t?pica apresenta??o da hist?ria do lugar. Pelo visto, Cingapura era uma cidade-estado que tinha passado de m?o em m?o e onde agora vivia uma mistura de ra?as e idiomas ?nica. De fato, os idiomas oficiais eram quatro: ingl?s, malaio, t?mil e chin?s mandarim. Dois al?m dos que eu achava que sabia. O que me importava era o fato de ser o quarto maior centro financeiro do mundo (atr?s de Nova York, Londres e T?quio) e o quinto porto de mercadorias mais importante, dada sua posi??o estrat?gica. Na teoria, quase um para?so na Terra e uma oportunidade profissional sem igual. Logo descobrir?amos, uma vez ali. Pelo menos, de cara, parecia promissor. O livro estava cheio de todo tipo de dados, o que aproveitei muito. Me encantavam as cifras e as curiosidades sobre qualquer coisa. Eu mergulhei na leitura tentando absorver, como bom turista, todas as informa??es relevantes. Por fim, anunciaram que est?vamos chegando ao aeroporto de Cingapura. Um aeroporto constru?do sobre o mar. Grudei na janela para poder v?-lo bem. Debaixo de mim, via-se a aglomera??o da cidade, apesar de eu ter ficado surpreso de forma grata com a quantidade de ?rvores que havia ali. Odiava os lugares em que a ?nica cor vis?vel era a do cemit?rio. O aeroporto estava em um canto da ilha e, em seguida, via-se um grande porto naval. O mar ao redor estava coalhado de barcos de todos os tamanhos, mas principalmente daqueles gigantescos que carregavam cont?ineres. Nunca tinha visto tantos juntos de forma t?o organizada, formando longas filas de barcos paralelos. A cidade estava infestada de arranha-c?us e altos edif?cios. Nas bordas da ilha havia largas praias com densa vegeta??o por tr?s. Logo pude ver uma ?rea de casas mais baixas, como urbaniza??es dos arredores, que acabavam ao lado de um largo rio cruzado por pontes. O avi?o voava muito baixo sobre uma regi?o de gramado bem cuidado e pude ver aparecer a pista bem debaixo da asa esquerda, onde me encontrava. Logo senti o solavanco do trem de pouso ao tocar o solo e o avi?o come?ou a frear. Ao fundo, a uns cem metros, estava escrito com arbustos o nome do aeroporto: Changi. O avi?o saiu da pista e se dirigiu ao terminal. N?o dava para ver do meu lado, mas podia deduzir que estava ali atrav?s da vista das janelas do outro lado. A comiss?ria de bordo anunciava pelos autofalantes, entre outras coisas, que a temperatura era de vinte e seis graus. Por se tratar de uma zona equatorial, as temperaturas costumavam ser mais ou menos essa, com alta umidade e muitas chuvas r?pidas, mas intensas. Em pouco tempo, nos deixaram levantar e ir atr?s das bagagens. Com a mala e a mochila nos ombros, dei uma volta pelo aeroporto. Havia coisas curiosas que eu estava acostumado a ver, como ?reas de internet gr?tis para notebooks e at? computadores para quem n?o tivesse um. Tamb?m havia uma ?rea para relaxar, com espregui?adeiras, parecidas com as de piscinas, de frente para os avi?es e onde as pessoas estavam escutando m?sica, dormindo ou lendo. Continuei avan?ando em busca da plataforma dos trens. Nas telas eram anunciadas chegadas e partidas de todas as partes do mundo. Finalmente cheguei. Era preciso pegar algo parecido com um bonde chamado Skytrain que levava ao Terminal 2, onde eu pegaria um t?xi. Quando o trem parou na plataforma, me chamou muito a aten??o que ele n?o tinha condutor. Em seguida, ele me deixou no Terminal 2. No meio dele havia um jardim tropical com um pequeno tanque e flores lindas. Sof?s de automassagem gratuitos, l?grimas de cristal pendentes que subiam e desciam, aqu?rios com peixes laranjas, lugares para receber massagem asi?tica… At? anunciavam uma piscina no Terminal 1 de onde, segundo as fotos, podia-se ver a pista de aterrisagem! Incr?vel. Nos banheiros haviam pain?is t?teis com a foto do faxineiro do turno em vigor, onde se podia votar pressionando umas carinhas de acordo como voc? considerava que estava a limpeza do lugar. ? claro que estava limp?ssimo. Por algum motivo, aquele era considerado um dos melhores aeroportos do mundo. A primeira impress?o de uma pessoa nova na cidade era seu aeroporto, e aqui eles tinham sido perfeitos. Finalmente cheguei ? sa?da e peguei um dos t?xis que estavam esperando. Entreguei ao motorista um papel com o endere?o da minha futura casa e ele saiu dali. Eu tinha chegado em um s?bado e a empresa tinha me comunicado que meus colegas de apartamento me esperariam em casa para ajudar com minha instala??o e me contar um pouco do que eu precisava saber para come?ar a me adaptar o quanto antes. N?o havia possibilidade de me enganar com o lugar, porque se chamava Spanish Village. Vila Espanhola, no idioma de Cervantes. Curioso lugar para se hospedar um grupo de espanh?is. N?o se era coincid?ncia ou de prop?sito, mas o nome era perfeito para tentar me sentir como se estivesse em casa. Eu tinha procurado na internet e ficava no bairro de Tanglin, ainda que isso, naquele momento, n?o significasse nada para mim. Come?ava minhas andan?as por Cingapura. Cingapura 2 Em menos de meia hora, o t?xi parou na frente da entrada de um complexo de edif?cios e o motorista me indicou que esse era o destino que dizia o papel. Dei uma olhada e vi que ? direita da entrada estava Spanish Village 56-88 Farrer Road e, o que deduzi, que era a mesma coisa em caracteres chineses. Ap?s trocar algumas palavras com o guarda da guarita de seguran?a, este entrou no complexo e parou em seu interior. Paguei ao motorista com os d?lares de Cingapura que tinha trazido da Espanha e o vi se afastando. Olhei de novo para o papel onde tinha anotado o endere?o. Eu estava no lugar certo. Comecei a andar com toda a minha bagagem nas costas buscando pela entrada. O conjunto era formado por um grupo de edif?cios de cor bege e terra vermelha em cada terra?o. Com quatro andares de altura, mais um andar t?rreo, formavam todos uma elipse. No meio dos edif?cios, encontrei uma piscina bastante grande, um parque infantil, ?reas para estacionar ao ar livre, duas quadras de t?nis, uma ?rea de churrasqueiras… Via-se que aqui a urbaniza??o era muito completa, n?o como o triste apartamento em que eu morava enquanto procurava uma casa melhor para viver com minha ex. Minha ex, Cristina. Agora ela estava a milhares de quil?metros de mim e, ainda que houvesse momentos em que a sentisse dolorosamente perto, at? com terr?vel intensidade, eu tinha que me esquecer dela. J? estava farto de tanta pen?ria, motivada autocompaix?o e inusitada tristeza, tinha que voltar a aproveitar a vida. Eu gostaria de voltar a ser esse David louco de antes de conhec?-la; sem rodeios, sem compromissos, sem necessidade de dar explica??es a ningu?m. Pelo menos na parte de conhecer muitas mulheres e curtir com elas sem amarras. Uma vez dentro, enquanto procurava a porta do edif?cio, um homem de tra?os asi?ticos me interceptou e me perguntou em um ingl?s sofr?vel onde eu estava indo. Adivinhei que era algu?m da manuten??o ou algo assim. Eu disse a ele que era um novo inquilino e informei o apartamento. Isso pareceu tranquiliz?-lo. Ele apertou minha m?o com efusividade e, com um largo sorriso na cara, me acompanhou at? a porta do meu edif?cio, ajudando-me com minha mala. Ele mesmo chamou no meu apartamento e, quando algu?m respondeu, uma voz que me soou familiar, ele avisou que o novo inquilino tinha chegado. Parei um momento para pensar como tinha sido esperto o zelador, n?o aceitando minha palavra de cara, mas acompanhando-me at? a porta para confirmar o que eu disse com meus companheiros. Quando a voz confirmou que estava me esperando, deu-se por satisfeito, despediu-se de mim e eu entrei no que seria meu novo lar, pelo menos pelos pr?ximos seis meses. Ou pelo menos era o que eu achava. Soou a campainha e eu empurrei a porta. Fiquei surpreso. Eu achava que tinha reconhecido a voz de Josele, que era um colega da minha empresa, um amigo com quem eu trabalhei tr?s anos lado a lado e que, no fim, acabou em um projeto nos Estados Unidos junto com algum outro colega do banco. Desde o in?cio nos demos muito bem. Senti muito quando o projeto terminou e tivemos que nos separar, mas t?nhamos continuado a manter contato regular e nos vendo sempre que ele voltava para a Espanha. Na porta do apartamento, como tinha suspeitado, Josele estava me esperando. N?o tinha mudado nada, com esse cabelo que crescia nele como um topete, uma m? imita??o de Elvis Presley. Deixei minha mala e a mochila no ch?o e o abracei com entusiasmo. — Josele, ? voc?? — Surpresa! Entre e j? conversamos. Olha quem est? aqui —disse ele, abrindo totalmente a porta. — D?maso! Sa? correndo e o abracei, levantando-o no ar. D?maso era outro dos colegas que a empresa tinha mandado com Josele para os Estados Unidos. Um pouco estranho, mas uma cara conhecida, no fim das contas. O dia n?o podia come?ar melhor, tendo como meus colegas de apartamento esses dois personagens. — Mas, o que est? acontecendo aqui? Voc?s n?o estavam nos Estados Unidos? — Sim, est?vamos — respondeu D?maso. — O projeto acabou e nos mandaram para c? faz pouco tempo. Valent?n nos disse que voc? estava vindo tamb?m, mas n?o quisemos dizer nada para n?o estragar a surpresa. — E que surpresa, rapazes! Com certeza n?o poderia ser melhor. Outra vez juntos, e desta vez, colegas de apartamento. Cingapura, prepare-se! — Sim! — gritou Josele, entusiasmado. — Poderemos voltar a praticar esportes juntos. D?maso e eu sa?mos para correr duas vezes por semana e estamos em uma liga de basquete de expatriados. J? inscrevemos voc? na equipe. — Fant?stico — respondi. — Pelo menos n?o ficarei como um boi e me servir? para conhecer gente. Bom, me contem como ? a vida aqui. — Diego e Tere tamb?m est?o aqui — informou D?maso. — Tamb?m! Que legal, toda a turma junta de novo. N?o achava que fossemos voltar a trabalhar juntos no mesmo projeto. — Sim, e sabemos de algo que voc? n?o sabe… — Diego tamb?m est? na equipe de basquete? — Sim, ele est? inscrito, mas n?o ? isso. — Ent?o o que ?? — Est?o saindo juntos. — O qu?? Tere e Diego? Desde quando? — N?o sabemos, porque demoraram para nos dizer, mas com certeza antes de virem para c?, ent?o h? pelo menos dois meses. — Nunca teria suspeitado. Mas, de fato, se parar para pensar, eles s?o combinam muito mesmo. Fico feliz por eles! E o que fazemos agora ent?o? Josele e D?maso primeiro me mostraram a casa. Tinha tr?s quartos e dois banheiros. Eu teria que dividir o banheiro com Josele. Pelo visto, D?maso insistiu em ter um s? para ele e Josele n?o se importava. A sala e a cozinha eram espa?osas. A casa tinha internet com WiFi e um terra?o fechado de onde dava para ver a piscina. Tamb?m me contaram que o bloco tinha seguran?a 24 horas. O homem que tinha me interceptado no jardim era de origem chinesa e se chamava Shao Nan e era o funcion?rio da manuten??o do turno diurno. ? noite era um malaio que se chamava Datuk Musa. Tamb?m havia uma academia, uma sauna e quadra de squash no t?rreo, al?m de um jardim com v?rias churrasqueiras, que eu j? tinha visto, para poder fazer piquenique sem ter que sair do condom?nio. Havia uma televis?o grande na sala, mas cada quarto tinha outra pequena, al?m de ar condicionado, uma escrivaninha com cadeira e um arm?rio grande para as roupas. N?o sei se as outras pessoas do pa?s teriam casas iguais, mas o n?vel devida aqui parecia incr?vel. T?nhamos dois shoppings a menos de vinte minutos andando, com todo tipo de restaurantes, lojas de alimenta??o e roupas, bancos ou lugares para se divertir. Pois ?, nossa localiza??o era perfeita. Eles me contaram coisas ?teis sobre os meios de transporte da cidade. O metr? se chamava MRT e tinha quatro linhas que cruzavam Cingapura de norte a sul e de leste a oeste. Tamb?m havia ?nibus e o uso de t?xi era muito comum, pois era bem barato. A empresa tinha me dado um cart?o de transporte misto que servia tanto para o MRT quanto para os ?nibus. Os escrit?rios da nossa empresa ficavam ao lado da desembocadura do rio Cingapura e pr?ximo a um parque urbano chamado Fort Canning Park. Eles usavam o ?nibus para ir ao trabalho. T?nhamos fretado e em menos de quarenta minutos ele chegava ao escrit?rio. Os hor?rios de trabalho eram longos, como em todo lugar. O normal em Cingapura era trabalhar quarenta e quatro horas semanais e ter quatorze dias de f?rias, mas n?s, por sorte, mant?nhamos as f?rias da Espanha. Em Cingapura havia uma cultura de trabalho muito diferente da Espanha. N?o acredito que na Espanha fosse poss?vel instaurar-se uma jornada de trabalho de quarenta e quatro horas e apenas duas semanas de f?rias. Josele me deu um saco com uma caixa dentro. — O que ? isso? — Um presentinho da empresa. ? seu celular corporativo para Cingapura. Dentro tem o telefone, o cart?o sim e as instru??es para se conectar com todos os aplicativos da empresa, mas na verdade, o ?nico ?til ? o de e-mail. Na segunda v?o te dar seu notebook. — Poxa, muito obrigado. Voc?s precisam me explicar sobre as tarifas e liga??es para a Espanha. E para comer? Como fazem? O que se come aqui? V?o a restaurantes, como na Espanha? — Bom, h? muitas op??es — respondeu Josele. — ? muito dif?cil encontrar gente comendo em restaurantes porque s?o muito caros. O normal ? comer nas cantinas do pr?prio edif?cio comercial, nos hawker centers, que s?o conjuntos de cozinhas com um pequeno balc?o que compartilham uma ?rea para comer, nos coffee shops, que s?o como os hawkers, mas mais caros e bonitos. — E com ar condicionado! — interrompeu D?maso. — ? onde, via de regra, comemos. — Sim, sim, e com ar condicionado — continuou Josele. — ? que o D?maso n?o se d? bem com o calor e a umidade. Em qualquer um desses lugares, ? poss?vel comer ou comprar sua comida para levar. Isso depende de cada um e de haver lugar para se sentar, porque ?s vezes n?o tem onde ficar na cantina, de tanta gente. Os restaurantes de comida r?pida, como Burger King, McDonald’s e outros de cadeias asi?ticas que n?o existem na Espanha, tamb?m ficam bastante cheios. Tem gente que leva marmita, mas ? muito dif?cil ver ocidentais com elas. As pessoas de Bangladesh ou das Filipinas costumam lev?-las porque elas gostam de comer coisas tradicionais de seus pa?ses e elas mesmas cozinham. — T? bom, t? bom —interrompi, rindo. — S? te perguntei onde voc?s costumam comer, n?o sobre um estudo completo da sociedade de Cingapura e seu estilo de alimenta??o. Voc? me ajudou muito aqui. Tive tempo de arrumar o telefone e deix?-lo funcionando. Espera um pouco, vou ligar para minha m?e. — Manda um abra?o para ela! — disseram ambos em un?ssono. Eles a conheciam de quando trabalhamos juntos em Madri, de algum dia que tinham vindo ? minha casa comer. Minha m?e era uma excelente cozinheira, que tinha se apaixonado pela comida espanhola, e ela adorava receber visitas. Tinha tido uma juventude atormentada, para dizer o m?nimo, e ficava encantada em receber novos amigos que, ? primeira vista, pareciam gente boa; nada a ver com as nada recomend?veis amizades da minha adolesc?ncia. Aproveitei o telefone da empresa para ligar e dizer que eu j? tinha me instalado e estava novamente com meus grandes amigos. Ela se alegrou muito de saber que eu n?o estava sozinho e que eu conhecesse algu?m ali. Mandou muitos beijos para os dois. Fiquei de ligar outra hora para podermos conversar com mais calma. Quando desliguei, continuei perguntando coisas que eu queria saber do lugar. — E para se divertir, o que tem para fazer por aqui? N?o preciso que me conte tudo o que tem para se saber sobre a cidade hoje, t?, Josele? Voc? tamb?m tem que se divertir um pouco. Tem algo de especial? — Muitas coisas — respondeu D?maso. — Em Cingapura, voc? n?o vai ficar entediado, com certeza. Tem todo tipo de entretenimento: desde simuladores de voo incr?veis, corridas de cavalos, cassinos, parque de divers?o, pistas de caminhada, museus, shoppings at? dizer chega e, claro, centenas de pubs e baladas para sair e conhecer gente, que ? o que voc? est? precisando, principalmente alguma menina depois da sacanagem que a Cristina fez com voc?. — Minha cara denunciava como eu concordava com essa ?ltima parte. Parecia muito bom recuperar meus tempos de loucura, em o que importante era acabar com uma garota sem importar qual. — Pr?ximo do nosso trabalho, do outro lado do parque, fica uma das principais ?reas de caminhada. Ao longo de uma rua chamada Mohamed Sultan Road que ? cheia de casas noturnas. A vinte minutos a p?. E tamb?m h? golfe do outro lado da Marina Bay, claro! — J? estava estranhando que voc? n?o voltasse a tocar no assunto do golfe. Com certeza, voc? ficou sabendo como ficar s?cio do campo de golfe antes de descobrir onde comprar p?o. E se tiverem por acaso c?maras de bronzeamento artificial, a? ? perfeito, n?o ?? — Comecei a rir. — Voc? faz ideia do que ? fazer um ace com uma s? tacada logo de cara? Eu tamb?m n?o, mas continuo tentando. — Como voc? o conhece, David. — Alfinetou Josele, entre gargalhadas. — Assim que ele chegou, perguntou ao taxista no caminho do aeroporto at? em casa. E uma vez por ano acontecem corridas de F?rmula 1, claro. Acho que ? l? para setembro, e nos disseram que ? incr?vel, porque correm pela cidade de noite. Por isso, se estivermos por aqui, temos que ir, mesmo que voc? n?o goste de corrida, porque s? o ambiente j? deve valer a pena. — Mas h? quanto tempo voc?s est?o aqui? J? tiveram tempo de fazer tudo isso? — N?o, cara, — Riu Josele. — Os bares, sim, claro. Mas a maioria das coisas, outras pessoas que est?o aqui h? mais tempo nos contaram. Agora que voc? chegou, pode ter certeza que nos mexeremos mais. — Cara, eu tamb?m queria poder navegar um pouco. Principalmente se eu tiver essa boa companhia. — Voc? est? se referindo a n?s ou a alguma gatinha? N?s tr?s rimos. Estava claro que nesse tempo em que eles estiveram nos Estados Unidos, n?s n?o t?nhamos perdido a cumplicidade que sempre tivemos em nossos projetos juntos na Espanha. Especialmente com Josele. Bons tempos estavam por vir. Cingapura 3 No dia seguinte, sa?mos juntos para dar uma volta pela cidade. Eu queria muito sentir o ambiente desse novo pa?s. Como queria me fazer ?til, peguei os sacos de lixo para jog?-los fora, mas Josele me parou na entrada da casa. — Mas onde voc? vai com o lixo? — Jogar fora. Eu vi uma lixeira l? fora. — Minha nossa, temos que explicar tudo. Aqui existem instala??es para o tratamento de lixo em cada bloco. Voc? joga o lixo pelos dutos que est?o na cozinha, debaixo do micro-ondas, e ele vai pra onde tem que ir. — Da hora. E os apartamentos do t?rreo? — Eles deixam o lixo na porta da entrada de servi?o e o pessoal da limpeza recolhe. Quase ningu?m leva o lixo at? a lixeira. — E reciclam? — Existem lixeiras coloridas para reciclar, se quiser, mas quase ningu?m faz isso. — Entendido. Todo o lixo no duto da cozinha. Joguei os dois sacos e sa?mos para a rua. Come?amos dando uma volta pelo nosso bairro, Tanglin. Os cingapurenses que vinham pela rua pareciam em sua maioria de origem oriental - chineses principalmente, mas tamb?m muita gente de apar?ncia indiana e muitos que eu n?o conseguia dizer. — S?o de origem malaia — esclareceu Josele. — Aqui, s?o mais calados e fechados que os europeus. Tamb?m s?o muito r?gidos com as leis. H? uma infinidade de proibi??es. Algumas que podem parecer chocantes para a gente, e se se n?o as cumprir, v?o te punir sem hesitar. Todo mundo aprende logo, por bem ou por mal, a ser respeitoso. — Isso da ordem eu gostei. — N?s j? sab?amos. Do jeito que voc? ? quadrado… ? verdade que naquele momento eu era, mas nem sempre tinha sido assim. (Eu entendo que era o contr?rio. Que antes eu era quadrado e agora n?o.) Fomos para a direita, deixando para tr?s uma passarela de pedestres coberta com plantas cheias de flores roxas. Um pouco depois, chegamos a uma esta??o de metr?. O tipo de constru??o mudou e em nossa cal?ada apareceram casas pequenas, como se fosse uma zona de chal?s geminados, mas elas eram diferentes entre si, tanto em materiais como na arquitetura. Um pouco mais adiante havia um cruzamento com outra rua importante chamada Bukit Timah, que seguia em paralelo com um riacho e com uma ponte elevada. — ? esquerda est? o shopping que te falamos, o Coronation Shopping Plaza — disse Josele. — ? direita, o jardim bot?nico. — ? direita ent?o. Teremos tempo para ver lojas — respondi. Seguimos at? chegar ? entrada principal do parque bot?nico ou, pelo menos, de uma das entradas. Ningu?m sabia quantas havia. Me aproximei por curiosidade para ver a informa??o para entrar. Estava aberto das cinco da manh? at? ? meia-noite todos os dias do ano! Al?m disso, era gratuito, exceto a parte das orqu?deas. Isso, sim, era um bom servi?o de atendimento ao p?blico. — Por que n?o entramos aqui? — disse, tentando persuadir Josele e D?maso a entrarem para dar uma olhada. — Voc? ter? tempo para ver as coisas melhor. Para um primeiro dia, ? melhor darmos uma volta mais gen?rica. Al?m disso, Josele j? conhece esse lugar — afirmou D?maso. — Voc? j? veio aqui? — N?o ? bem assim, cara — respondeu Josele imediatamente. — N?o se confunda. Eu s? gosto das flores para tirar fotos bobinhas, nada mais. Vim aqui porque estava interessado em uma japonesa bem gatinha e pensei que, trazendo-a aqui, com certeza teria sucesso. E, de fato, eu tinha raz?o — ele piscou um olho e rimos. A verdade ? que t?nhamos toda a raz?o do mundo, ter?amos tempo para ver tudo; por isso, cedi sem me queixar muito. — Olha! — gritou D?maso. — O ?nibus. Poder?amos ir ver a Little India, o bairro indiano da cidade. Josele e eu gostamos da ideia e em trinta minutos est?vamos descendo do ?nibus em um bairro totalmente diferente. Ali a distribui??o demogr?fica mudava completamente, sendo em sua maioria indianos (ou bengaleses, porque na verdade eu era incapaz de diferenci?-los). A primeira coisa que me chamou a aten??o foi um parque, em que havia centenas de indianos sentados no ch?o, em pequenos grupos, conversando. Segundo meus amigos, eles faziam isso todos os domingos. Aquele era o ponto de encontro deles para se verem e contarem o que tinha acontecido durante a semana. N?o se via nem uma mulher sequer. S? homens. Curioso. Costume? Machismo? As mulheres se reuniam em outro lugar? Continuamos andando e cruzamos com uma igreja, a metodista Foochow, como dizia em uma placa na entrada, o que me surpreendeu por estar em uma zona indiana, onde se espera ver templos hindus. Isso demonstrava a singularidade do lugar. Tamb?m vimos restaurantes, dessa vez t?picos indianos e, finalmente chegamos ao Mustaf? Centre. Era um shopping muito grande que ficava aberto 24 horas. A cal?ada em frente estava cheia de casas de duas alturas que em sua maioria tinham restaurantes, alguma joalheria e escolas de hindi. Tamb?m havia um templo chamado Arya Samaj. Esse, sim, parecia hindu, mas eu n?o saberia dizer com certeza. Na entrada, havia uns cartazes de dois homens: um barbudo com cara de bonach?o e outro com turbante e uma aur?ola, como se fosse um santo. Nos dois extremos da rua via-se ao fundo os arranha-c?us da cidade, que contrastavam com esta zona de casas baixas. Tudo era muito diferente do que eu conhecia. Josele, que sempre tinha sido mais curioso com as coisas e que era aficionado pela fotografia, sempre buscando localiza??es ?nicas para dar asas ? sua voca??o, me explicou que essas casas se chamavam shop houses, ou casas-lojas. Eram antigas edifica??es com o piso superior destinado ? resid?ncia, e a inferior ao neg?cio familiar, normalmente oficinas, restaurantes ou lojas. Pelo visto, eram muito valorizadas, n?o apenas por seu valor hist?rico ou por sua beleza, mas tamb?m pela privilegiada localiza??o que costumavam ter. O aluguel delas era entre tr?s mil e quinhentos e at? vinte mil d?lares por m?s, dependendo da sua situa??o e estado, e seu pre?o de venda chegava a v?rios milh?es de d?lares cingapurenses. Uma dinheirama. Entramos no shopping para ver que tipo de lojas tinha ali. Ocupava dois quarteir?es e tinha no primeiro piso uma passarela de cristal acima da rua que unia os dois blocos de edif?cio. Dentro, havia lojas de todo tipo: supermercado, farm?cia, cosm?ticos, roupas desportivas, eletr?nicos, correios e joalherias. Tamb?m tinha servi?o de vistos para indianos e malaios e um local para c?mbio de moeda. Um euro equivalia a quase um d?lar e meio cingapurense. Eu tinha conseguido um c?mbio um pouco melhor na Espanha. Na hora de comer, como n?o podia ser diferente, comemos em um dos v?rios restaurantes indianos do lugar. Um que parecia especializado na comida do norte da ?ndia. Como se eu soubesse distinguir da do sul! Seguindo o conselho de Josele e D?maso, pedimos pratos para dividir. De entrada, Aloo Gobi, que eram batatas condimentadas com couve-flor, e Chaat, um tipo de pastel muito crocante com diferentes recheios e muitos temperos. Em seguida, dividimos Chana masala, que parecia mexido de carne, como o que faz?amos em Madri, mas que com os temperos, tinha um sabor todo diferente; um arroz com lentilhas chamado Khichdi e frango Tandori, um frango assado com iogurte e condimentos que davam a ele um tom vermelho brilhante. Tudo acompanhado de um p?o chamado Kulcha (http://es.wikipedia.org/wiki/Kulcha) e, para a sobremesa, umas p?talas de rosa com a??car chamadas Gulkand (http://es.wikipedia.org/wiki/Gulqand). Um monte de nomes ex?ticos e comidas ?s vezes muito condimentadas. Uma vez ou outra, me parecia uma refei??o curiosa de se fazer, mas para o dia a dia acabaria enjoando. Al?m disso, n?o tinha tanta certeza de que meu est?mago fosse capaz de aguentar isso constantemente, estando acostumado a outro tipo de comida totalmente diferente. Eu tinha certeza que n?o me lembraria de nenhum dos nomes dos pratos da pr?xima vez. Perguntei pela comida t?pica cingapurense e me disseram que era picante e tamb?m muito condimentada, mas que eu n?o me preocupasse, porque havia todo tipo de restaurantes para escolher. Eu gostava de comida picante, mas de vez em quando e n?o muito. Tinha uma amiga que gostava da comida pegando fogo, mas para mim, com o ardor na boca n?o se podia saborear de verdade o gosto dos alimentos. De qualquer forma, tamb?m havia muita influ?ncia chinesa na comida do pa?s e essa, sim, eu gostava mais. Teria que experimentar logo. Depois de comer, voltamos para nossa casa. Tinha que terminar de colocar todas as minhas coisas no quarto e eu queria descansar um pouco. N?o sabia se era pelo jet leg ou n?o, mas estava esgotado. De qualquer forma, tinha recebido muita informa??o desde que cheguei ? cidade e eu queria um pouco de tranquilidade, e at? come?ar a trabalhar no dia seguinte para ir pegando um pouco da rotina. Passamos o resto da tarde na casa vendo um pouco as not?cias em ingl?s na televis?o e conversando sobre as coisas que far?amos nas pr?ximas semanas. Jantamos no final do dia o que restava na geladeira e fui dormir cedo. No dia seguinte come?aria minha nova aventura de trabalho. Tail?ndia 13 Meus pensamentos sobre o apartamento em Cingapura foram interrompidos quando senti que algu?m estava me observando. Parei a s?rie de socos que estava fazendo e olhei para a porta da cela. Dali, um homem curioso me observava. Seu nome era Channarong. Eu o conhecia de ouvir os outros prisioneiros falarem dele, sempre com respeito. Seu nome, segundo me contaram, significava algo como “lutar para ganhar”, que era justamente para o que eu estava me preparando. N?o estava muito claro para mim porque as pessoas o tinham em considera??o. N?o sabia se era um membro de alguma m?fia, um lutador famoso ou o filho de um rico homem de neg?cios que podia pagar a algu?m para que te matassem se o incomodassem. O caso ? que ele estava me olhando em sil?ncio dali n?o sei h? quanto tempo. Comecei a dissimular, esticando os bra?os e fazendo movimentos est?pidos, tentando imitar o que em minha cabe?a seria tai chi. Eu tinha certeza de que seria tarde e que estaria claro para Channarong que eu estava treinando artes marciais. Teria que ser muito idiota para acreditar que o que eu estava fazendo era tai chi. Me sentia rid?culo tentando despist?-lo, assim, parei e fiquei olhando para ele se dizer nada. Channarong fixou seus olhos nos meus e me examinou com aten??o. Seu rosto era totalmente inexpressivo. Era imposs?vel saber o que ele estava pensando. Ap?s alguns instantes, que me pareceram horas, deu uns passos e se aproximou de mim. De forma instintiva, deu um passo para tr?s e ergui os bra?os em posi??o defensiva. Estava acostumado com todos que se aproximavam era para me bater, ainda que desta vez eram muitas surras seguida, j? que a ?ltima tinha sido a menos de uma hora. Channarong se aproximou at? estar a vinte cent?metros de mim e me olhou curioso. Levantou sua m?o e me encolhi, esperando receber o primeiro golpe, mas em vez disso, o que fez foi pegar o bra?o e estic?-lo um soco. — Assim n?o —disse ele em um ingl?s bastante descente, enquanto negava com a cabe?a v?rias vezes. — Assim n?o. N?o, n?o, n?o. Pegou meu bra?o e o esticou de novo, desta vez com muito mais for?a, Obrigando-me a girar sobre minha cadeira para n?o cair. — Mova a cadeira, golpeia a cadeira. Mova a cadeira, golpeia a cadeira. Sabe como chamar esta cela? O Grande Tigre, porque dizem que “ca?a e come”. Quer ser preza ou ca?ador? Repetiu essa frase como se fosse um mantra, e mais algumas vezes, enquanto eu movia meu bra?o e me dava palmadas na cintura. Ele estava corrigindo o movimento! Al?m de n?o querer me bater, ainda estava me ensinando a golpear de forma correta. Ele soltou meu bra?o e me animou com um gesto da m?o a continuar tentando. Lancei uma nova s?rie de socos, trocando de bra?os e utilizando a cadeira nos golpes enquanto Channarong ia corrigindo meus movimentos. — D?cima li??o de Muay Thai —disse ele, muito s?rio, quando demos um tempo: — treinar e exercitar-se de forma regular. Voc? constante, eu observar. Muito bem. Muay Thai ser guerreiros de oito bra?os. Punhos, cotovelos, joelhos e p?s. Treinar tudo, buscar equil?brio. Assim, ele ficou me vendo treinar sem que me desse conta. Estava claro que eu n?o escondia isso t?o bem quanto acreditava. Um momento! Ele tinha dito d?cima li??o? E as nove anteriores? N?o importava. Fiz outra s?rie de socos, concentrando0me em fazer tudo perfeito, tal qual ele tinha me ensinado, pondo toda minha aten??o em cada detalhe do movimento, tentando n?o deixar que a dor no meu corpo influenciasse. Me virei, satisfeito, para ver o que ele achava, mas Channarong j? tinha ido embora. Desapareceu da mesma forma que apareceu. Em sil?ncio e sem aviso. Me deixou todo confuso. Por que tinha me ajudado? Por que se foi sem me dar tempo para agradec?-lo? N?o tinha respostas nem a possibilidade de obt?-las naquele momento, como se esperava de algu?m pr?tico como eu. Continuei treinando meus socos, usando a cadeira de apoio para golpear com mais for?a. Tentando superar a dor que me causava cada movimento naqueles lugares golpeados pela surra. No dia seguinte procurei Channarong para agradec?-lo, mas n?o o encontrei. Tamb?m n?o insisti em procurar por todo o complexo, porque, com meus antecedentes, era melhor n?o me deixar ser visto para evitar problemas. Quando usavam algu?m como saco de pancadas, o mais prudente era que n?o o encontrassem. Continuei treinando meus socos e o resto dos movimentos. Eu ia adorar se ele decidisse ser meu mentor, como o senhor Miyagi, do Karat? Kid, ou como ?ngel, o professor de boxe que me ensinou o que era o respeito pelos demais e por si mesmo, mas duvidada muito que esse homem t?o querido e a quem eu nunca tinha dirigido a palavra tivesse muito interesse em mim. Por outro lado, ele tinha me ajudado, n?o? Em todo caso, ningu?m costumava me dirigir a palavra. Assim, me sentia grato pelo menos por isso. Alguns dias depois, encontrei Channarong na fila do refeit?rio. Me aproximei para agradecer por seu interesse, mas ele mandou que eu me afastasse dele com r?pidos movimentos de m?o e um som como o de uma serpente — Segunda li??o — gritou, enquanto eu me afastava, confuso: — fazer-se ?til aos demais. Enquanto comia, tentava decifrar o significado dessas palavras. Ele queria que eu ajudasse as pessoas da pris?o? Queria que eu pensasse em mim mesmo? Os orientais ?s vezes gostavam de divagar sobre as coisas. N?o era mais f?cil dizer logo o que queria? Fazer-se ?til aos demais… defender aos demais dos brutamontes em vez de a mim mesmo? Filosofia barata. ? t?o mais ?til dizer as coisas de forma direta. Olhei para Channarong e ele estava apontando para minha mesa, contando algo a seus companheiros, que riam com vontade. N?o sabia o que pensar. Eu estava totalmente perdido. Provavelmente s? estava rindo de mim, mas ent?o, para que me ajudar? Percebi que o grupo que tinha invocado comigo estava entrando no refeit?rio, assim, levantei, deixei a bandeja no lugar como tudo o que ainda restava para comer e fui embora r?pido. Como dizia minha m?e: “Quem evita a ocasi?o evita o perigo”. Isso, sim, era um conselho ?til. E claro. Fui para a cela treinar. N?o que treinar depois de comer fosse o mais aconselh?vel, mas era o ?nico de poucos momentos em que costumava n?o ter ningu?m e tinha que aproveitar. Fiz o que eu tinha que fazer. O que era necess?rio. Comecei minha rotina de treinamento. Alongamentos complexos, flex?es, agachamentos… Trabalhando cada parte do corpo de forma independente e junto com as demais. Em seguida, continuei com os golpes no ar: primeiro socos, depois chutes, por ?ltimo, joelhadas e cotoveladas, como os que via os presos que treinavam no p?tio fazerem. Como disse Channarong, o guerreiro dos oito bra?os. Como ningu?m falava comigo por medo de tamb?m se tornarem alvo dos que me batiam, eu tinha muito tempo para pensar. Em uma das minhas reflex?es di?rias, tinha considerado que, al?m de conseguir a melhor forma f?sica e de tentar melhorar minha t?cnica e velocidade, deveria tamb?m enrijecer meu corpo e acostum?-lo aos golpes. Por isso, acrescentei a minha rotinha uma s?rie de golpes com punhos, cotovelos, canela e dorso da m?o na parede, usando peda?os de pano como atadura e come?ando com menos intensidade. ?s vezes, exagerava com os golpes e ficava com alguma parte do corpo inchada por alguns dias, mas considerava isso necess?rio para ensinar a meu corpo a superar a dor. Quando meu ?nimo fraquejava no treinamento, eu s? tinha que me lembrar de alguns dos meus inimigos antag?nicos da juventude ou de qualquer uma das surras recebidas; de mim no ch?o, sendo alvo de pontap?s e golpes, encolhido como um animal e esperando que tudo acabasse. Ent?o, aumentava o ?mpeto dos golpes, o esfor?o do treinamento, tirando for?as da f?ria, ?nimo do medo, intensidade do desespero. Tamb?m tinha que aumentar muito minha resist?ncia, por isso, dedicava meu tempo a correr sem parar no p?tio; o que meus perseguidores comemoravam com piadas e risadas porque deviam pensar que eu estava treinando para fugir deles. Para mim, ao mesmo tempo, servia como terapia. Nem sempre gostei de correr. Logo que comecei a treinar boxe em Madri, tive que acrescentar rotinas de corrida para ganhar resist?ncia e poder aguentar de p? um combate completo. Era extenuante, mas necess?rio. No fim, correr meia hora todos os dias se provou um al?vio estabelecido para doutrinar meu corpo e mente. Logo seria meu momento e a situa??o mudaria completamente. Logo essas risadas se transformariam e gritos. Gritos de dor. Pelo menos era nisso que eu acreditava. Era isso ou a morte. N?o havia outra alternativa. Cingapura 4 Finalmente, segunda-feira. Primeiro dia de trabalho. Levantei ?s seis e meia da manh?, comecei o dia com caf?, cereais e um copo de suco. Um caf? da manh? completo. Meus colegas de apartamento me contaram, enquanto isso, que o que eles, e muita gente, costumavam fazer era tomar caf? da manh? no trabalho, na cafeteria da empresa, onde havia bebidas, frutas, p?es e bolos gr?tis, ou nos estabelecimentos do edif?cio, se queiram algo diferente. Assim, podiam conversar um pouco com os colegas antes de come?ar o trabalho. ?s vezes tinha gente que tomava de caf?, principalmente da ?sia, o mesmo que comemos nas outras refei??es: macarr?o, sopas, legumes refogados… Era muito curioso v?-los comer assim a essa hora da manh?. Me vesti e esperei dez minutos at? que os outros estivessem prontos. Entre uma coisa e outra, nos atrapalhamos e decidimos pegar um t?xi para o trabalho. Por apenas dez d?lares cingapurenses, que Josele pagou, em quinze minutos est?vamos ? porta do nosso edif?cio, em uma pracinha que havia na entrada, como a dos hot?is onde paravam os carros para se descarregar as malas. A ?rea era um complexo de quatro arranha-c?us de cor branca com planta octogonal chamado Raffles City Tower. Pelo visto, era um conglomerado com shopping, escrit?rios, centro de conven??es, restaurantes e dois hot?is que ocupavam duas das torres. Cada edif?cio devia ter quarenta ou quarenta e cinco andares. Impressionante. ? direita da entrada onde est?vamos havia um bar que se chamava Salt Tapas & Bar, um nome premonit?rio para os espanh?is, como o da nossa casa. O destino, no qual n?o acreditava, parecia me dizer que eu estava onde tinha de estar. Nossos escrit?rios ficavam no 36? andar da torre de escrit?riosRaffles City Tower. A vista devia ser espetacular. Na entrada, como era meu primeiro dia, tiveram que me identificar e criar meu cart?o de acesso permanente. Quando me entregaram, subimos de elevador at? o escrit?rio. Nosso andar tinha a vista livre, quase sem paredes, salvo pelas salas de reuni?o. Enquanto me levavam at? onde estava aquele que seria meu gerente, cruzei com Teresa e Diego. Nos cumprimentamos rapidamente e combinamos de nos ver em breve na cafeteria do andar. Depois, D?maso foi para sua mesa trabalhar e Josele me levou at? Amit Dabrai, um indiano que era meu novo chefe. Amit era uma pessoa muito seca e prepotente. Ele me contou em linhas gerais em que consistia o projeto como se estivesse me fazendo um favor e me mostrou meu posto de trabalho, onde meu notebook j? estava me esperando. Assinei todos os papeis da entrega do computador e do celular e me instalei em meu lugar. Amit compartilhou comigo uma pasta na nuvem como toda a documenta??o e me disse que J?r?me, a quem me apresentou como o colega no projeto que tinha me designado, me contaria o que era mais importante ler para come?ar. Nisso, sim, ele insistiu que eu devia me colocar a par muito r?pido e que esperava que naquela mesma semana eu come?asse a trabalhar a todo vapor. Grande chefe arrogante e s?rio que me deram! Me lembrava muito um que tive em um projeto na Espanha. J?r?me, que era franc?s, acabou sendo um cara totalmente diferente de Amit. Ele era doido, mas muito louco. Defini-lo como extrovertido era dizer o m?nimo. Al?m disso, ele tinha um entusiasmo e uma vitalidade contagiosas e parecia estar sempre de bom humor. Falava um ingl?s com marcad?ssimo sotaque franc?s – me custou acostumar-me a ele e escut?-lo sem rir. Ele me disse quais eram os principais documentos que deveria ler e me fez uma apresenta??o do projeto de quase uma hora, destacando o que era importante de verdade: em que consistia, o que se esperava de n?s, em que ponto dele est?vamos e quais eram os pr?ximos passos que t?nhamos que dar. Tudo isso depois de ir ao refeit?rio e conversar animadamente com Tere e Diego. No meio da manh?, Josele me acompanhou at? uma filial do banco POSB para eu abrir uma conta. Ele tinha conta no mesmo banco, que era um estatal do departamento de correios que funcionava muito bem. Segundo tinha me contado, por ser um para?so fiscal, abrir uma conta era um processo muito simples. Me pediram o n?mero FIN, que era como o documento de identidade. A empresa tinha agilizado para mim com o visto de trabalho, mas, pelo visto, era poss?vel abrir uma conta sem ele e entreg?-lo quando o tivesse. Tudo era f?cil. Emitiram um cart?o de d?bito para mim na hora e me deram minhas chaves para operar por internet e telefone. N?o muito longe havia um escrit?rio exclusivo para banco privado. — Ali, com um bom ma?o de notas, n?o ? necess?rio nem identificarem voc? — disse Josele, olhando para mim com uma cara travessa. — Ainda que n?o possam dizer isso abertamente, claro. Essa gente facilita tudo para receber dinheiro. — Que nada, espero conseguir ser cliente deles — assegurei, rindo. Uma vez feitos os tr?mites, voltamos para o escrit?rio. Cingapura 5 Josele se aproximou sorridente da minha mesa no trabalho. — Adivinha, adivinha! — N?o sei. Tem algum abacaxi para me passar que precisa que eu termine antes do fim da semana? Estou cheio de coisas aqui tentando ficar em dia com isso, mas ajudarei voc? no que puder. — N?o! Muito melhor. — Vamos ver. — Neste s?bado temos uma festa na Avalon, uma das baladas da moda. A que comentei com voc? que fica do outro lado do rio, ao lado do Museu de Artes e Ci?ncia. — Cara, n?o me surpreende muito. Tenho a impress?o de que todos os s?bados temos uma festa. — Esta ? especial. ? uma homenagem aos expatriados espanh?is. Estar? cheio de espanh?is e de expatriados de outros pa?ses. ? a sua oportunidade de conhecer gente de todo tipo e lugar! — J? conhe?o voc?s, acho que n?o preciso de mais do que isso nos pr?ximos cinco anos… — Sorri, contente de estar com eles. — Sim, mas n?s precisamos nos livrar de voc? um pouco. Voc? ? como as r?moras, esses peixinhos que vivem grudados nos tubar?es. Tudo bem que sejam parasitas, mas ?s vezes cai bem um pouco de liberdade. N?o sei se me entende. — Se querem que eu os deixe em paz, ? s? me dizerem, man?s. — ? brincadeira! Voc? sabe. Mas n?o te far? mal conhecer gente nova e tomar um bom porre. — Isso, sim, eu sei. Estou cansado de choramingar pelas esquinas como um trouxa. Vamos ver se conhecemos um trio de belas australianas precisando de carinho. Porque de espanholas j? me fartei por um bom tempo. O que preciso ? um pouco de exerc?cio de quadril. Voc? me entende — disse, fazendo um nada discreto movimento para frente e para tr?s. — Esse ? meu garoto! Vamos dizer a D?maso e combinamos. Levantei e fomos contar os planos a D?maso. Naquele s?bado arrasar?amos Cingapura. O resto da manh? pareceu eterno. Todo mundo falava dessa grande festa para espanh?is ? nossa volta. Todos faziam planos e riam pensando nas coisas que fariam. Sa?mos os tr?s para correr com Diego algumas tardes para tentar liberar a tens?o e nos concentrarmos em outra coisa, mas todos os esfor?os foram infrut?feros; e olha que for?amos tanto que nossas pernas ficaram doendo a semana toda. At? a partida de basquete da liga das empresas n?o foi mais que uma desculpa para falar do mesmo assunto. Finalmente, chegou o s?bado. A festa era no come?o da noite. Assim, de manh? me levantei cedo e desci para a academia. As pernas estavam destru?das, mas tinha muito que trabalhar nos bra?os. Depois, fui com Diego em uma sess?o matinal do cinema, na rede Golden Village Cinema, a quinze minutos andando de nossos escrit?rios. Eram salas com assentos grandes, muito espa?o para esticar as pernas e em que ?s vezes passavam ciclos de cinema cl?ssico. Estavam passando alguns dos melhores filmes de fic??o cient?fica de sempre e Diego e eu est?vamos com pique para todos. Ver de novo Alien, Guerra nas Estrelas, Dune ou Blade Runner na tela grande n?o tinha pre?o. N?s ?ramos fan?ticos pelo g?nero. Depois do filme, que era Matrix naquele dia, comemos em um restaurante de comida r?pida chamado Mos Burger que, como o pr?prio nome diz, servia hamburgueres. Era a semana do hamburguer japon?s e tinham alguns ingredientes muito estranhos, como shoyo e miss?. No fim, n?o me entusiasmei muito. Onde tivesse um bom hamburguer com molho barbecue, queijo, tomate e cebola, preferia que deixassem de foras os experimentos estranhos. Ent?o, fomos cada um para sua casa para tomarmos um bom banho e nos prepararmos para a festa, que come?aria pouco depois, ?s sete da noite. Quando cheguei em casa, D?maso e Josele estavam em plena anima??o preparat?ria. Josele estava ocupado diante do espelho do banheiro com seu pequeno topete, que lhe dava um ar de “Rei”, e D?maso olhava as roupas do arm?rio com tanta concentra??o que parecia que estava jogando a mais dif?cil das partidas de xadrez da hist?ria. Aproveitei para tomar uma ducha e escolher um conjunto de roupas elegantes, mas nada exagerado. N?o queria humilhar, mas tamb?m n?o queria parecer um Don Juan. Quando est?vamos todos prontos, descemos at? a rua, onde j? esperava o t?xi que t?nhamos chamado, e fomos para a festa. Em quinze minutos est?vamos na porta. A entrada era uma estrutura de cristal com a palavra Avalon em letras fluorescente. Era vizinha da Marina Bay, por isso, a vista do outro lado da ba?a, incluindo os pr?dios onde trabalh?vamos, era impressionante, com todos esses altos edif?cios iluminados. N?o deixava nada a desejar ?s vistas noturnas de Manhattan, em Nova Iorque, do Brooklyn. Entramos quando a festa tinha acabado de come?ar, por isso n?o havia ainda muita gente, e pudemos escolher um bom lugar para ficar. Nas festas acontecia o mesmo que com o marketing na Internet. As tr?s chaves eram: posicionamento, posicionamento e posicionamento. Por dentro, havia um ar de nave industrial e com todas as luzes e a m?sica, me lembraram o movimento ciberpunk, muito parecida com a ambienta??o do filme Blade Runner que Diego e eu ir?amos ver na semana seguinte. Ao fundo, em uma plataforma com muit?ssimos pontos de luz na parede que se acendiam e apagavam de forma aleat?ria, estava o DJ, tocando m?sica eletr?nica. Para mim, o nome dele n?o dizia nada, mas a verdade ? que m?sica n?o parecia ser sua especialidade. Parecia at? que n?o tinha nem ideia do que estava fazendo. De qualquer forma, parecia ser conhecido aqui, porque quando o anunciaram, as pessoas ficaram loucas. T?nhamos combinado com dois colegas de trabalho, e pouco a pouco foram chegando at? que ?ramos mais de vinte. Na verdade, espanh?is eram cinco: Teresa, D?maso, Josele, Diego e eu. Eu achava estranho falar em ingl?s com meus amigos espanh?is, mas fazia isso por cortesia ao resto do grupo, que n?o falava espanhol. Ficamos bebendo e dan?ando, rindo e contando hist?rias engra?adas de coisas que tinham acontecido com eles naquele lugar. Na festa, mais de 80% dos que estavam ali deviam ser expatriados ou, pelo menos, tinham cara de ocidentais. Em muitos dos grupos de pessoas ouvia-se falar em espanhol. Ao nosso grupo, juntaram-se mais espanh?is que eu n?o conhecia. Dois rapazes e duas garotas. D?maso, como n?o podia deixar de ser, conhecia a todos e me apresentou. — David, este ? Nacho. N?o sei se ouviu falar de um fot?grafo chamado Ignacio ?nsua. — N?o, mas tamb?m n?o estou muito por dentro do mundo da fotografia. — Bom, tanto faz. ? ele. Josele o conhecem em uma exposi??o de fotos h? algumas semanas. Na Espanha, ele exp?s em v?rios museus e centros de arte. Uma atriz local conhecida logo notou seu trabalho e ele veio para c? com ela para fazer um book e desde ent?o vive aqui. ? o fot?grafo dos famosos e dos grandes eventos em Cingapura. Al?m de ser um bom jogador de golfe, claro. — Prazer, Nacho. Vejo que j? conhece D?maso. Espero que se d? bem aqui e que possa ser meu fot?grafo particular, porque no golfe n?o acho que nos encontraremos. Eu sou mais de esportes de a??o. — Claro que sim, isso seria excelente. Um cliente espanhol que possa pagar minhas nada moderadas comiss?es. Prazer, David. — Sempre posso pilotar um barco para uma sess?o de fotos em alto mar e tirar uma graninha extra. — Est? falando s?rio? ?s vezes fazemos books e an?ncios em barcos. Preciso de vez em quando de um motorista. — Claro — disse, sorrindo pelo uso da palavra “motorista” em vez de “piloto”. — Tenho o t?tulo de Capit?o de Iate. Adoro a navega??o. Conte comigo quando quiser. Tudo com rela??o a navega??o me parece ?timo. — N?o me esquecerei. D?maso continuou com as apresenta??es. — Estas duas morenas t?o lindas s?o namoradas e se chamam Elena e Raquel. Elas t?m uma doceria de produtos sem gl?ten. — Ol?. Dois beijos, n?? Por que vieram a Cingapura? — Quer?amos conhecer outro pa?s e vimos que aqui tamb?m havia cel?acos, como em todo lugar, mas n?o tinham muitas lojas dedicadas a eles — explicou Elena, enquanto eu dava dois beijos em Raquel. — Eu tinha um amigo cel?aco em Madri. Alguns dos doces que ele comia eram t?o bons quanto os normais. N?o saberia diferenci?-los. Um dia quero passar na loja de voc?s para prov?-los. — Quando quiser — disse Raquel. — Aqui est? um cart?o. — Obrigado. Vejo que est? preparada. Gosto disso. E voc?, como se chama? — disse, dirigindo-me ao quarto do grupo. — Eu continuo sendo David… — respondi, sorrindo. — Me chamo Pamos, Juam Pamos — disse, imitando o estilo James Bond. — Cuidado com ele, David — D?maso me avisou. — ? um bon vivant. Diz que ? especialista do cinema, mas n?o sei se j? estreou na profiss?o. Seus pais s?o ricos empres?rios que trabalham em assuntos relacionados com a exporta??o, mas ele s? se dedica a ir de festa em festa e sair com todas as garotas que pode, tenham namorado ou n?o. S? deixa as festas para jogar golfe comigo e com Nacho. — Golf? D? para ver como voc? fez amigos. Bom, eu estou sozinho aqui, sem par, e n?o sou uma garota, ent?o n?o tenho que me preocupar. Com sorte, ele ainda pode me apresentar alguma amiga bonita… — Ri com vontade. Fiquei um bom tempo conversando com todo mundo, colegas do trabalho e novos conhecidos. Ent?o, em uma volta que dei para ir at? o banheiro, um homem com sotaque ingl?s se aproximou de mim e me ofereceu n?o sei que subst?ncia que eu n?o conhecia, mas que sem d?vida era algum tipo de droga. Recusei de forma taxativa e segui meu caminho. Nunca tinha usado drogas, nem sequer na minha ?poca mais rebelde, e nem tinha vontade de come?ar agora. N?o gostava que nada controlasse minha vida e esse era o t?pico caminho que podia me transformar em um escravo de minhas doses di?rias. Nisso eu era muito radical. Nem fumava, apesar de j? ter feito isso por um tempo, mas tive que parar porque era incompat?vel com o exerc?cio que eu fazia. E apesar de beber, nunca deixava que o ?lcool me fizesse perder o dom?nio de mim mesmo. Meus amigos enxiam meu saco ?s vezes com esse assunto, principalmente D?maso, que tinha umas bebedeiras herc?leas, mas eu gostava de sempre sentir que tinha o controle da situa??o. Era um pouco obsessivo com isso. Quando voltei, me ofereci para buscar algo para Tere e meu colega, J?r?me, o louco, beberem. Enquanto estava no balc?o esperando ser atendido por algum gar?om, uma garota lind?ssima de aspecto tailand?s ou parecido apareceu ao meu lado. Tinha cabelos castanhos, longos, cacheados presos em duas partes de forma que ca?am por ambos os lados da cabe?a sobre o peito. Usava um gorro de tecido verde e uma camisa com al?as da mesma cor. Seu rosto era arredondado e tinha um sorriso precioso, ressaltado por l?bios pintados de uma cor vermelha muito suave. Seus olhos eram castanhos escuros, um pouco puxados, mas n?o muito. Bastante alta, devia medir um metro e setenta ou algo assim, e era magra. N?o poderia dizer que tinha me apaixonado ? primeira vista; isso seria uma bobagem. Mas meus horm?nios de macho ib?rico deram um salto mortal triplo, ainda mais quando ela virou para mim e falou comigo em um ingl?s perfeito com uma voz doce e musical que s? pude escutar porque coincidiu com uma diminui??o no volume da m?sica. — Desculpa, n?o vi a fila. — N?o, n?o! O que ? isso? N?o se preocupe. Ainda estou esperando ser atendido. Pe?a voc? primeiro, n?o precisa fazer seu acompanhante esperar. — Meu acompanhante? N?o, estou sozinha. Vim com uma amiga, mas ela teve que ir embora. Espera! Era uma estrat?gia para saber sobre isso, n?o ?? — Bom, voc? me pegou — reconheci, sorrindo. — Mas ? dif?cil de acreditar que uma mulher t?o bonita n?o tenha companhia. Ela pareceu ter achado meu coment?rio muito engra?ado, pois come?ou a rir com um riso melodioso que me encantou no mesmo instante. Durante alguns momentos, ficamos calados, nos observando. — Desculpa, n?o me apresentei — disse, reagindo. — Me chamo David, sou um dos expatriados espanh?is homenageados nesta festa. — Espanhol? Por seu ingl?s, achei que fosse americano… — afirmou, fazendo um biquinho. — ? porque minha m?e ? americana. De Boerne, um pequeno povoado de dez mil habitantes no Texas, pr?ximo a San Antonio. Um para?so para as trilhas, cheio de rotas lind?ssimas, mas n?o tanto quanto voc?, que nunca vi igual. Como se chama? Acho que voc? esqueceu de me dizer. Ou ? um segredo? — N?o, n?o, n?o ? nenhum segredo. Me chamo Sumalee, Sumalee Sintawichai. Em tailand?s, meu nome significa “flor bela”. — Flor bela? Economizarei o elogio f?cil, mas ? ?bvio que ? um nome perfeito para voc?. Dizem que a Tail?ndia ? o pa?s dos sorrisos. Se todos tiverem um t?o bonito como o seu, deve ser o para?so. —? dif?cil n?o sorrir para um cara como voc? — respondeu. Juro que o sorriso que ela me deu valia uma guerra. Era linda. Estava claro que essa mulher tinha capturado minha aten??o. — Voc? disse Simalee Sintawachi? — gritei, tentando superar o som ao redor. — Estou me esfor?ando para memorizar. — N?o, Sumalee Sintawichai — repetiu, aproximando-se do meu ouvido para n?o ter que gritar e fazendo com que eu ficasse todo arrepiado. — Mas Sumalee est? bom para agora. Tamb?m n?o quero que funda a cabe?a no primeiro dia. Primeiro dia? Ela queria que nos v?ssemos mais vezes? Porque eu, sim, com certeza. Todos os que fossem poss?veis. Uma garota t?o bonita, eu queria para sempre ao meu lado. N?o disse nada sobre seu coment?rio e a convidei para se unir a n?s. Ela aceitou, encantada, com a condi??o de que n?o a deixasse sozinha em nenhum momento. N?o me custou nada aceitar seus termos e, depois de pedir as bebidas de J?r?me e de Tere, e de oferecer uma a ela, nos dirigimos para o grupo. Eu a apresentei a todos os meus colegas e fiquei impressionado com sua desenvoltura diante de tantos estranhos. Quando chegou a vez de D?maso, que j? estava alegre pelo ?lcool, ele come?ou a fazer-lhe elogios aos gritos para que ela pudesse escutar, e tive que par?-lo. — Calma a?, fera! As m?os controladas, se quiser mant?-las. Guarde seus encantos para outra mulher. Sumalee est? comigo esta noite. Fizemos um trato, n?o ?? — Claro que sim. S? para voc? — disse, enquanto piscava um olho para mim de forma divertida e agarrava meu bra?o. — Fizemos um acordo de n?o nos separarmos nenhum momento hoje. D?maso, J?r?me, Josele e Diego me olhavam, incr?dulos. N?o sabiam se pensavam que eu tinha ganhado na loteria ou se havia uma armadilha por tr?s de tanta sorte. Para mim, tanto fazia; s? queria que a noite durasse para sempre. Eu estava euf?rico. Tinha acabado de chegar e j? tinha criado la?os. Estava claro que meus sete anos com Cristina n?o tinham me feito perder a habilidade lend?ria com as mulheres. Passamos a noite toda na festa falando sem parar. Nos sent?amos muito confort?veis juntos, como se nos conhec?ssemos a vida toda. Ela me contou que trabalhava em uma ag?ncia de viagens preparando principalmente todas organizadas para a Tail?ndia, seu pa?s, ou de tailandeses por Cingapura. Teve que sair de l? porque sua m?e estava doente e ela precisava ganhar muito dinheiro para pagar o tratamento. Na Tail?ndia, tinha um bom trabalho, mas o sal?rio era muito baixo, por isso, veio para Cingapura por conselho de uma amiga. Com o que ganhava podia mandar bastante dinheiro para casa para os rem?dios da m?e. Era original de uma regi?o chamada Chiang Rai, no norte do pa?s, quase fronteira com Mianmar e Laos. Sua fam?lia era pobre e teve que lutar muito para poder conseguir uma bolsa e estudar marketing na Universidade Thammasat. Quando terminou o curso, conseguiu um bom trabalho em uma grande empresa, mas o sal?rio ainda era muito baixo para o que precisava, e isso a levou a Cingapura, onde, para a minha sorte, se encontrava agora. T?nhamos muitas coisas em comum. Os dois adoravam esportes, viajar, ler, provar coisas novas, aventura, tudo relacionado ao espa?o… Como se f?ssemos almas g?meas. N?o podia acreditar na minha boa sorte. Aquela noite prometia ser agitada. N?o sei em que momento da noite chegamos ?quela situa??o, mas quando me dei conta, ainda est?vamos conversando, com sua m?o direita apoiada sobre a minha e sendo acariciada por minha m?o esquerda. Sua pele era muito suave e percebi uma press?o em seu peito que dificultava a respira??o. Al?m disso, como a m?sica estava muito alta e havia muita gente gritando, t?nhamos que conversar ao p? do ouvido, o que tornava a situa??o ainda mais excitante quando ela me dizia algo e seu h?lito acariciava meu rosto. Parec?amos dois apaixonados trocando confid?ncias. Era dif?cil para mim n?o virar e come?ar a beij?-la e acarici?-la, satisfazendo o ardor que sentia em todo o meu corpo, mas n?o conhecia os costumes do lugar e n?o queria estragar a noite. Falamos da minha fam?lia, do que tinha me levado a Cingapura… Ela me fazia uma infinidade de perguntas sobre coisas de todo tipo. Sobre quanto tempo eu ficaria em Cingapura, se gostaria de viajar… Parecia um interrogat?rio, mas me submetia a ele com gosto. Ela ficou muito interessada quando contei a hist?ria com minha ex-namorada. Dizia que para ela era inacredit?vel que uma garota pudesse me trocar por outro. Gostava cada vez mais de Sumalee. Definitivamente, tinha subido ?s posi??es mais altas de pessoas preferidas em Cingapura. T?nhamos uma cumplicidade e uma confian?a tamanha que parecia que ficar?amos a vida toda juntos. Enquanto ela falava, eu podia sentir o perfume dos seus cabelos, que tinha uma fragr?ncia muito definida que ela me contou depois que era jasmim, e percebia uma sensa??o estranha que n?o sentia h? muito tempo. Era como se eu estivesse apaixonado, mas com certeza n?o era isso; provavelmente era a atra??o sexual do primeiro encontro. Seria uma loucura. Eu tinha acabado de conhec?-la h? apenas algumas horas, ela vinha de uma hist?ria tr?gica, mas, ainda que parecesse perfeita para ser minha alma g?mea, n?o poderia ser t?o f?cil. Fazia algum sentido? Cingapura 6 Na semana seguinte, eu tinha combinado com Sumalee de passarmos o dia juntos. Ela se ofereceu para me mostrar a cidade e ser minha guia particular, o que me pareceu uma proposta fant?stica. Era uma profissional da viagem e muito mais linda que Josele e D?maso. Al?m disso, meus amigos tinham combinado com o fot?grafo da festa de jogar golfe, que era um esporte que n?o me atra?a muito. Apesar de ter ficado at? tarde da noite anterior na festa, marcamos bem cedo na porta do templo Leong Nam, no bairro Geyland, porque ela me disse que queria me mostrar algo que dava para ver melhor cedo. No s?bado trocamos n?meros de telefone para o caso de surgir algum contratempo e a primeira coisa que fiz assim que acordei foi olhar o telefone com medo de que ela tivesse cancelado o encontro; mas n?o tinha nenhuma mensagem dela. Quando cheguei, ela j? estava me esperando. Usava shorts jeans curtas azuis que n?o chegavam na metade da cocha, uma camiseta de al?as azul turquesa e uma jaqueta muito fina de outra tonalidade de azul. Estava linda, era linda, e sabia como evidenciar isso. Quando me viu ao longe, um sorriso incr?vel se desenhou em seu rosto e ela veio trotando at? mim. Me deu um abra?o e me beijou a bochecha. — Ol?, David! Queria te ver. Ela pronunciava o “a” do meu nome com uma deliciosa mistura de “a” e “i”. Algo como David que me soava como uma m?sica celestial. — Bom dia. Voc? imagina o quanto eu tamb?m queria. N?o consegui pensar em outra coisa desde que nos despedimos ontem ? noite. — Como voc? ? bobo! N?o ? para tanto. — ? verdade, acredite, ? sim. O que vai me mostrar hoje? Voc? me deixou curioso. — Este ? o bairro Geylang. ? um dos que menos evolu?ram em Cingapura e um dos que mant?m a gastronomia mais tradicional da regi?o. Aqui fica o mercado tradicional asi?tico de Geylang Serai. Est? cheio de barracas de frutas e outros tipos de produtos frescos, quase todas geridas por malaios. Aos domingos de manh?, ficam cheios de gente e barulho, mas se vier cedo, ter? todo o mercado s? para voc? — contava, entusiasmada. — Adoro vir aqui quase de madrugada e passear pelo lugar com o burburinho dos comerciantes preparando tudo e a mistura incr?vel de perfumes de frutas frescas que ? poss?vel sentir antes que o mercado fique cheio e eles se dispersem com o resto dos cheiros. ? como passear no meio de campos de frutas. Me lembra um pouco minha terra. Dava para ver por sua express?o que ela realmente gostava desses passeios. — Parece muito bom. Ou talvez voc? seja uma vendedora excepcional. Venha! Voc? me guia. Come?amos a passear entre as frutarias pelas ruas principais e pelos lorong, que ? como chamavam em malaio as vielas laterais. As casas eram do mesmo estilo da zona indiana: baixas, com dois andares e cada uma de uma cor. ?amos parando em diferentes lugares e Sumalee ia me explicando as diferentes frutas t?picas dos mercados dessa regi?o: a longan, branca por dentro que parecia uma batata por fora; a manga, que eu j? conhecia; o mangostim, mais doce ainda que a manga; e o que mais me chamou aten??o, o durian, com espinhos de cor esverdeada e do tamanho de um mel?o pequeno. Quando abriam um no meio, dava para ver que dentro havia uma polpa amarela. — O curioso dessa fruta — contava Sumalee, alegre, — ? que tem um cheiro muito forte que fez com que fosse proibido com?-la no transporte p?blico e em hot?is para n?o incomodar as outras pessoas. Fede! — disse, colocando um peda?o debaixo do meu nariz e me obrigando a afast?-la rapidamente para tirar esse cheiro horroroso. — Voc? sujou meu nariz. — Um momento — disse Sumalee, tirando um len?o do seu bolso e limpando com cuidado. Eu n?o podia deixar de observ?-la enquanto ela fazia isso. — Pronto. — Algo se estremeceu dentro de mim com aquele gesto. Tamb?m havia muitos lugares com peixes salgados, sapos, arraias venenosas ou enguias. Tudo o que um ocidental poderia esperar de um mercado oriental. Sumalee tinha raz?o. Era um passeio relaxante, com uma mistura de cheiros adocicados que o transportavam ao campo. Com o tempo, o lugar se encheu de gente, muito poucos deles ocidentais, e barulho e os cheiros mudaram totalmente, perdendo todo o encanto inicial. — Bom, o que mais se pode fazer por aqui? — Depende do que voc? gosta. Ao sul est? o que chamam de bairro da luz vermelha de Cingapura, como o de Amsterd?. — N?o, obrigado. Tendo uma mulher como voc? ao meu lado, n?o acho que conseguiria encontrar nem de longe nada que chegasse aos seus p?s no bairro vermelho, nem procurando em toda Cingapura. Com certeza, nem em toda ?sia. Por um instante, ela ficou me olhando com firmeza sem dizer nada. Sentia como se ela estivesse esquadrinhando minha mente atrav?s dos olhos. Temi, por um momento, t?-la ofendido, mas n?o disse nada. — Tamb?m h? muitos templos e a Vila Cultural Malaia. Um museu onde se pode ver artesanatos, escutar m?sica tradicional e degustar a culin?ria t?pica. — J? que estamos em uma regi?o malaia, poder?amos escutar um pouco de m?sica tradicional e comer alguma coisa t?mica, n?o? Eu sou um turista de livro. Na verdade, li um na viagem para c?. — Tudo bem! Vamos para l?. Com sua m?o direita ela pegou a minha esquerda e me deu um pux?o para que a seguisse. Durante um instante, apertei sua m?o com for?a para ter certeza de que ela estava ali. Chagamos em poucos minutos ao museu. Era um complexo de v?rios edif?cios baixos de telhados canelados, muito no estilo oriental. Dentro, havia representa??es de objetos e utens?lios malaios, como carro?as puxadas por bois, exposi??es de artesanato e todo tipo de informa??o sobre sua cultura e gastronomia. Tamb?m tinha uma casa visit?vel decorada como se supunha que eram as tradicionais. Notava-se que ela gostava de viajar e conhecer coisas novas, al?m de trabalhar naquilo, porque olhava tudo com a curiosidade t?pica de uma crian?a, surpreendendo-se e emocionando-se com tudo. Eu gostei da visita, mas na verdade n?o tanto quanto ela, porque s? estava concentrado no ro?ar de minha m?o na sua e em observar, fascinado, todas as express?es de seu rosto. Tinha um rosto angelical. Queria tanto beij?-la! Quando terminamos, ela me disse que me levaria para comer algo t?pico cingapurense e me deixei levar sem dizer nem uma palavra. Em vez de entrar pela porta principal, ela me levou pela viela de tr?s e chamou ? porta da sa?da da cozinha. Eu estava intrigado. Quem abriu a porta foi um homem barrigudo e com um avental, gritando irritado, mas quando viu Sumalee, se calou e voltou para dentro, fechando a porta com uma forte batida. Um minuto depois, ela voltou a ser aberta e apareceu uma mo?a muito pequena, que tamb?m parecia tailandesa, e que se jogou nos bra?os de Sumalee, abra?ando-a. Come?aram a conversar em tailand?s e logo Sumalee me fez sinal para que me aproximasse. — Este ? David. David, esta ? minha amiga, Kai-Mook (http://www.significado-de-nombres-de-bebe.com/n/Kai-Mook), de quem falei um pouco ontem ? noite. Tamb?m ? tailandesa e trabalha neste restaurante. Ela vai preparar a comida para a gente. — ? um prazer. N?o se preocupe, Sumalee n?o disse nada de mau de voc? — eu disse, sorrindo. — Igualmente. Entrar para escolher o Swikee. — Seu ingl?s n?o era muito bom. — Escolher o que? — olhei para Sumalee. — Entre e ver?. Eu a segui pela cozinha e ela me levou at? um lugar onde havia uma bacia gigante com uma tampa. Kai-Mook a levantou e dentro havia uma dezena de r?s saltando para tentar escapar de sua pris?o de pl?stico. — R?s? — exclamei, olhando para Sumalee. — Sim, s?o consideradas uma iguaria t?pica por aqui. Eles preparam uma sopa de r? deliciosa aqui no Swikee. — Se voc? diz… Na verdade, nunca comi. Estava um pouco indeciso, mas n?o queria parecer muito fresco, ent?o escolhi as r?s que queria, as que me pareceram mais bonitas, se ? que era poss?vel, e me sentei ? mesa que nos apontaram para esperar a refei??o enquanto falava com Sumalee sobre o que far?amos depois. N?o demorou muito para Kai-Mook aparecer com uma sopeira nas m?os. Quando ela a abriu e nos serviu a sopa de r?s, tive que reconhecer que tinha uma apar?ncia muito apetitosa. Notava-se tra?os de pimentas vermelhas, algo que parecia coentro, chili e mais alguma coisa que n?o fui capaz de identificar. Comecei a comer com um pouco de apreens?o, mas quando dei a primeira bocada, todos os meus temores de dissiparam. Estava muito boa! Devorei o restante da r? com avidez. Ergui a cabe?a e vi que Sumalee me observava, se divertindo. — Est? delicioso, n?o ?? — Tenho que reconhecer, esse ? um prato de luxo. Tenho que trazer meus amigos aqui. V?o ficar loucos. — Sabia que iria gostar. O cozinheiro deste restaurante prepara a sopa de r?s mais gostosa de toda a cidade. Se vier com eles, pergunte por Kai-Mook e voc?s ter?o o tratamento especial da casa. Agora ela j? te conhece e cuidar? de voc? como se fosse eu mesma. Olhei nos olhos dela enquanto suspirava. N?o sabia que loucura estava fazendo, mas ia dizer a ela o que estava come?ando a sentir quando Kai-Mook nos interrompeu, aproximando-se para perguntar como estava a sopa. Disse o mesmo que tinha dito a Sumalee, que estava deliciosa, e ela voltou contente para a cozinha. O restante da refei??o tamb?m foram pratos que eu n?o conhecia; muito saborosos, mas nenhum como a sopa. Ficamos o tempo todo rindo e contando hist?rias divertidas que tinham acontecido com a gente no passado em nossas viagens. Quando terminamos, Kai-Mook deu uma bolsa a ela. Ela n?o quis me dizer o que era. Tamb?m n?o me deixou pagar e insistiu que era seu dia de guia e que os gastos ficavam por sua conta. Segurei seu rosto e, observando-a com intensidade, dei um beijo muito suave em sua testa enquanto acariciava com os dedos suas t?mporas. Pude notar que ela tremia quando fiz isso, n?o sabia se de emo??o ou de repulsa. O importante foi que ela n?o se afastou. Um calafrio de excita??o percorreu meu corpo ao contato com sua pele. Naquele momento, senti uma vontade quase irrefre?vel de lan?ar-me sobre ela e beij?-la, mas consegui me conter. N?o apenas gostava de estar com ela e me sentia muito confort?vel, mas ela tamb?m me excitava demais. Sa?mos para a rua. Fomos direto para um pequeno parque que ficava bem em frente de onde est?vamos, e ela entregou a bolsa a uma mulher que parecia uma mendiga. A mulher tirou algo de dentro e vi que era comida. Conversaram um pouco como se se conhecessem a vida toda e, ent?o, continuamos nosso caminho. ? uma mulher que est? passando por apuros. Eu a conhe?o de outras vezes que vim ver Kai-Mook. Sempre trago um pouco de comida quente para que ela tenha uma boa refei??o no dia. Al?m de bonita, ? uma boa pessoa. N?o para de me surpreender. Passei o bra?o por cima de seus ombros e pegamos o ?nibus para o parque East Coast, no sudeste da ilha. T?nhamos decidido mudar totalmente de ambiente e eu queria ver um pouco de ?gua, e ali havia praias, palmeiras e mar. Um lugar perfeito para conhecer um pouco mais Sumalee. Quando chegamos, nos metemos por um dos caminhos que entravam no parque. Sumalee ficou pensativa um momento e, ent?o, se dirigiu a mim. — Sabe patinar? — N?o, nunca tentei. Quando eu era pequeno, andei um pouco de patinete, mas n?o tinha o equil?brio muito desenvolvido, ent?o desisti logo. — Bom, ent?o ensinarei a voc? outro dia. E andar de bicicleta? — Isso, sim, claro. — Ent?o vamos alugar umas bicicletas para visitar o parque. O que acha? ? Perfeito! Dito e feito. Nos dirigimos para o lugar onde alugavam bicicletas e, ainda que pud?ssemos escolher bicicletas tandem ou carrinhos com teto, decidimos por duas vermelhas individuais para o restante do dia. Aparentemente, era uma atividade popular, porque o parque estava cheio de ciclistas e de gente patinando. Havia uma pista com dois sentidos claramente demarcados. Sumalee foi contando-me tudo enquanto pedal?vamos com tranquilidade. — O parque est? dividido em diferentes ?reas. De acordo com a ?rea, pode fazer uma coisa ou outra. Voc? vai acabar descobrindo que eles s?o muito organizados em Cingapura. — Sim, estou percebendo. — Aqui, ? direita, fica a ?rea de churrasqueiras. Muitas fam?lias e grupos de amigos v?m, principalmente no fim de semana. Tamb?m h? muitos restaurantes e cafeterias, se preferir n?o ter trabalho. Para us?-las, ? preciso fazer reserva. D? para fazer pela internet. — Como voc? disse, — afirmei, sorrindo — muito organizados. E isso? — Essa ? a ?rea de esportes aqu?ticos. D? para alugar caiaques, fazer esqui aqu?tico, mergulho e muitas outras coisas. Voc? gosta desse tipo de atividade? — Sim, adoro. E voc?? — N?o experimentei muito, mas poder?amos tentar juntos. — Com certeza! J? est? na minha lista desde que soube que viria para c?. — Agora estamos chegando ? ?rea para ficar na areia. ? muito normal que as pessoas construam castelos. Olha! Paramos um pouco para ver um grupo de jovens terminando de construir um tempo de areia de um tamanho descomunal. Devia ter quase dois metros de altura e quatro de largura. Nenhum de n?s reconhecemos o edif?cio, mas Sumalee me disse que o estilo era muito parecido com os templos de Angkor, em Camboja. Havia muitas pessoas tirando fotos. Sumalee me contou que outra atividade t?pica do parque era a fotografia. Outra coisa que abundava era gente correndo. Era como o Parque do Retiro, em Madri, mas tinha quase o dobro do tamanho, com mar e mais possibilidades. A coincid?ncia era que tinha tudo muito bem dividido e com cada coisa em seu lugar. Era muito artificial tamb?m. Voltamos a pegar as bicicletas e continuamos a andar. Passamos por um edif?cio com o logotipo do Burger King. Isso me fez esbo?ar um sorriso ir?nico. Por mais longe que acreditamos ter ido de nosso ambiente, descobrimos que a suposta “civiliza??o” j? tinha chegado antes. — Sumalee, e isso aqui? ? um camping? — Sim, h? algumas ?reas habilitadas para acampamento. Tamb?m d? para reserv?-las pela internet — ela disse, rindo. — N?o duvidada — afirmei, enquanto pensava quanto eu gostava do som da sua risada. Pedalamos durante algumas horas, percorrendo os quinze quil?metros de costa e parando de vez em quando para comentar algo, descansar ou parando em algum quiosque para beber alguma coisa. Em um deles vendiam ostras por um d?lar, ent?o comemos um par cada um. Para beber, aconselhado por Sumalee, pedi duas cervejas Tiger, que tinha um tigre como logotipo e era t?pica dali, de cor dourada p?lida. Era bem suave e eu gostei. Como n?o podia ser diferente, brindamos por muitos dias como esse. Vimos gente pescando com varas nas docas, fam?lias, casais de namorados, amigos em churrasqueiras, extensas praias de areia de uma largura que ia de dez metros a at? apenas um com palmeiras e outros tipos de ?rvores ao fundo. A areia, no entanto, n?o era grande coisa, pois havia muitas garrafas de pl?stico jogadas pelo ch?o e o mar estava sempre cheio de grandes cargueiros. Tamb?m havia uma pista de patina??o com obst?culos, ?reas com aparatos para fazer gin?stica, campos de v?lei, bancos com teto para descansar, caminhos estreitos de grandes pedras planas onde s? dava para ir andando, al?m de muitos mapas para se orientar pelo caminho. As possibilidades eram incr?veis, mas a manuten??o e a limpeza n?o eram tanto como se esperava. Sumalee me disse que antes era melhor ainda e que nos ?ltimos tempos havia deca?do um pouco. Achei muito engra?ado uma placa que proibia apontar com ponteiros laser para os avi?es. Os avi?es passavam muito pr?ximo ? terra porque o aeroporto de Changi n?o ficava longe dali. Outra queixa que se podia fazer ao lugar era o excesso de gente em quase todos os lugares, mas era preciso se levar em conta que era domingo, dia de suposta presen?a m?xima de p?blico. Teoricamente, nos outros dias o parque era mais tranquilo. Quando nos cansamos de dar voltas, paramos em uma ?rea de praia onde n?o havia ningu?m. J? era tarde e as pessoas estavam indo para suas casas. No dia seguinte era segunda, dia de trabalho. Ficamos descal?os e nos aproximamos da orla. Paramos bem rente ao mar, onde a ?gua das ondas acariciava nossos p?s de vez em quando. — A ?gua desta ?rea costuma ser suja, n?o ? muito aconselh?vel se banhar, apesar de termos visto algumas pessoas fazendo isso — disse Sumalee. — Em todo caso, n?o ? permitido se afastar muito da orla a nado. — Suja? Tem algo sujo em Cingapura? Isso, sim, ? novidade. Se bem que essas praias tamb?m precisam de uma limpeza. — N?o ? mesmo? ? por causa de todos esses barcos que vemos a?. Ainda assim, ?s vezes venho aqui, me sento e me perco observando o azul do mar. Sei que do outro lado fica minha terra, minha casa, minha m?e. Olhei para Sumalee. Por um momento, ela tinha ficado melanc?lica e parecia estar prestes a chorar. Passei um bra?o em torno de seus ombros e a aproximei com suavidade de mim. — Deve ser dif?cil ficar tanto tempo longe dela e, ainda por cima, sabendo que ela precisa de voc?. Pense que tudo isso ? por ela e que, quando tiver pago sua d?vida, voc?s poder?o ficar juntas para sempre e ser? voc? quem a ter? salvado. — Sim, quando tiver pago minha d?vida — disse, dando um suspiro. Mesmo que isso signifique tomar decis?es que nem sempre gosto. — Que decis?es? — Ah! Nada, nada. Coisas minhas. Ficamos abra?ados por um tempo, sem dizer nada. Na parte mais distante do mar dava para ver alguns catamar?s e uns caiaques amarelos dos que se podia alugar no parque. Mais longe se viam dezenas de cargueiros, todos grandes ou enormes. Acho que, se algum deles esvaziasse seus desperd?cios na ?gua ou se tivesse alguma perda de combust?vel, seria o suficiente para deixar as ?guas em um p?ssimo estado, por mais cuidados que fossem empregados e por mais que tentassem limpar. A luz solar come?ava a cair de forma evidente. Estava come?ando a anoitecer. De acordo com o hor?rio do parque, s? havia ilumina??o ali das sete da manh? ?s sete da noite. Logo estar?amos no escuro e t?nhamos que voltar porque n?o quer?amos ter que refazer o caminho andando com bicicletas sem ilumina??o. Sumalee se aproximou um pouco mais de mim e percebi que sua cabe?a ro?ava meu corpo. Em imbu? de coragem e procurei sua m?o com a minha. N?o demorei para encontr?-la e a apertei com for?a. Ela me correspondeu. Tanto fazia a praia suja, a ?gua insalubre ou tantos barcos estragando a paisagem. O c?u alaranjado, o sil?ncio ao nosso redor perturbado apenas pelo canto de algum p?ssaro e sua m?o segura na minha, era o para?so. Voltei para ela, nervoso, e com minha outra m?o a segurei com suavidade pelo queixo e ergui um pouco sua cabe?a de forma que nos olh?ssemos nos olhos a poucos cent?metros um do outro. Ela olhava s?ria para mim, com intensidade, expectante. Abaixei minha cabe?a e pousei meus l?bios sobre os seus. Ela os entreabriu um pouco e eu peguei seu l?bio inferior entre os meus. Passei assim um segundo, saboreando-o e, ent?o, me afastei, devagar, deixando-o escapar de forma lenta. Por um momento achei que Sumalee ia se lan?ar sobre mim e me dar outro beijo, mas de repente sua express?o mudou. — Temos… temos que ir — ela disse, com a voz tr?mula. — Acho que sim, mas n?o porque eu queira sair daqui. Estenderia este momento para sempre. Sumalee n?o respondeu. Virou-se e puxou minha m?o para que eu a seguisse. Montamos nas bicicletas e voltamos para a entrada o mais r?pido que pudemos. Ainda assim, os ?ltimos minutos percorremos quase ?s escuras. Devolvemos as bicicletas e fomos andando at? o ponto de ?nibus de m?os dadas, sem dizer nada. T?nhamos que pegar ?nibus diferentes. O primeiro a chegar foi o dela. Quando chegou ao ponto, me deu um beijo muito suave na bochecha, fez uma car?cia no rosto com um olhar que dizia “n?o fique triste” e entrou. No meio das escadas, virou-se e me disse: — Vamos no falando. Se cuida. — Voc? tamb?m, Sumalee. Tudo bem? Ela se virou sem responder e procurou um assento. Vi seu ?nibus se afastar com uma estranha sensa??o. Uma mistura de euforia pelo beijo que t?nhamos dado e de confus?o por sua atitude depois. N?o sabia muito bem o que significava. Ela n?o recusou o beijo, at? o devolveu; mas algo a deteve logo. Ela n?o olhou mais para mim e tinha ficado pensativa; quase aflita, eu diria. Ainda assim, tinha falado em nos falarmos de novo. Como interpretar isso? Talvez n?o quisesse me beijar porque n?o sentia o mesmo que eu, mas n?o foi capaz de dizer que n?o. Talvez o beijo a tenha feito se lembrar de algu?m querido do passado que perdeu. Talvez at? em sua cultura n?o fosse legal se beijar t?o r?pido. N?o fazia ideia. Tinha que descobrir, precisava saber. Agora eu s? podia pensar em como seria a pr?xima vez que nos v?ssemos: a Sumalee alegre e risonha de sempre ou a abatida e pesarosa que acabava de se despedir de mim. N?o podia esperar para descobrir a resposta. Tail?ndia 14 Estava sentado no p?tio observando os treinamentos de Muay Thai. Estava pensando que o pior da pris?o era o t?dio. Tantas horas sozinho, sem nada para fazer, sem ningu?m com quem dividir, nem que fosse um pensamento, quando se aproximou de mim um homem grande careca e com cara de louco que tinha visto outras vezes andando por ali. Tinha uma grande cicatriz mal curada que subia do olho esquerdo at? a metade da testa. N?o se relacionava muito com o restante dos presos e ningu?m parecia gostar de ficar muito perto dele. Tinha cara de estar bem mal da cabe?a. Ele parou diante de mim, balan?ando-se de um lado para o outro, e me olhou cm firmeza com os olhos muito abertos, sem piscar. Eu n?o sabia muito bem o que pensar. Se tamb?m ia me bater ou se estava se divertindo s? de me observar. Em todo caso, ele assustava. Ap?s alguns segundos de tens?o, ele se dirigiu a mim com um forte sotaque australiano. — O que voc? fez para eles? — Como? — Isso mesmo: o que voc? fez para esses chatos amarelos para eles te tratarem assim? — perguntou mais uma vez, apontando com a cabe?a para o grupo de perseguidores que conversavam do outro lado do p?tio. — Nada que eu saiba. N?o fiz nada para ningu?m na cadeia. Contanto que n?o sejam irm?os da desgra?ada que me mandou para c?… — Ent?o ? estranho que persigam voc? como fazem, n?? — Tamb?m penso assim. O que posso fazer? — Acho que nada. — N?o ? que me importe que converse comigo; pelo contr?rio, agrade?o muito. Mas n?o tem medo de que eles impliquem com voc? por falar comigo? Ningu?m quer se aproximar de mim por causa isso. — Comigo? Acho que n?o. Desde que entrei aqui, representei o papel de um louco perigoso capaz de qualquer coisa e, desde ent?o, ningu?m se mete comigo. E j? estou h? muitos anos aqui. — E como conseguiu? — perguntei, mas na verdade, acho que n?o devia ser dif?cil para ele se passar por um louco perigoso. Para mim, ele parecia mesmo. — Porque isso cairia muito bem para mim. — No primeiro dia, quando um maldito amarelo veio falar comigo, arrogante, comecei a gritar como um possesso e fui para cima dele, batendo, mordendo, arrancando os cabelos dele… Como se um dem?nio estivesse guiando meu comportamento. Quase o matei. De fato, foi nessa briga que me fizeram esta cicatriz, quando seus amigos entraram para defend?-lo. Ele levou a pior, pode ter certeza — afirmou, com um olhar s?dico e um meio sorriso no rosto. — Passei uma temporada isolado, mas quando sa?, entre minha cara, que n?o ? muito amig?vel, e a fama que a briga ganhou, ningu?m voltou a cruzar meu caminho. De vez em quando, fa?o alguma bobagem ou grito com algu?m para que n?o se esque?am que sou capaz de qualquer coisa, e pronto. Se me virem com voc?, pensar?o que ? mais uma excentricidade do farang louco. Ali?s, me chamo James — disse, estendendo a m?o. — David. Prazer — respondi, dando minha m?o. — O que ? farang? — ? como os idiotas locais chamam a n?s, os ocidentais. N?o sei se significa estrangeiro, branco ou dem?nio, mas tamb?m n?o me importa. E outra coisa: n?o se confunda. N?o ? porque falei com voc? que vou fazer alguma coisa para te ajudar quando te atacarem. Uma coisa ? eu gostar de encher o saco deles um pouco, e outra muito diferente ? me divertir com alguns chineses por voc?, para quem eu n?o dou a m?nima. Estava claro que meu novo amigo n?o gostava muito dos tailandeses, para n?o dizer que parecia bastante racista, mas n?o que tivesse muita escolha. Era a primeira pessoa que se atrevia a falar comigo desde que entrei. Em uma situa??o normal, teria dado meia volta depois de dizer o que pensava dos racistas, mas eu n?o estava em uma situa??o normal. De fato, estava bem do lado contr?rio. E n?o discordava totalmente com o fato de que alguns tailandeses mereciam mesmo morrer. Pelo menos alguma. Ficamos conversando por um tempo de banalidades. Ele riu um pouco dos presos que estavam treinando, gritando com eles como se estivesse na final do campeonato mundial de luta e tivesse apostado todo o seu dinheiro no resultado do combate. Alguns paravam para ver quem estava gritando assim, mas quando viam que era ele, seguiam seu rumo. Eu n?o gostava muito de chamar aten??o e metia a cabe?a entre as pernas para que n?o me reconhecessem. Ele tamb?m passou alguns minutos maldizendo a quantidade de negros que havia na pris?o. Como me contou, quase todos eram nigerianos e todos por motivo de drogas. Havia muito tr?fico de drogas com a Nig?ria. Ainda assim, o l?der de todos eles n?o era nigeriano, com certeza, mas ningu?m parecia saber sua origem. Era um homem tamb?m negro, grande e forte, com uma curiosa cicatriz em forma de meia lua no rosto e a quem todos pareciam temer. At? James. Pelo visto, era um mercen?rio africano, um filho da guerra obrigado a lutar e matar desde jovem e que n?o estava para brincadeira. Parecia muito tranquilo, mas quando precisava, era muito violento e n?o parecia temer nada nem ningu?m. Havia muitos rumores sobre ele, mas ningu?m sabia quais eram verdadeiros ou n?o: que o haviam obrigado a matar seu irm?o quando o recrutaram ? for?a em um grupo armado com apenas onze anos; que dois anos depois, ele matou o chefe que ordenou o ataque e o nomearam como l?der; que era um assassino de aluguel; que tinha sido escravista na guerra do Congo; que comia o cora??o de suas v?timas; que tinha violado centenas de homens e mulheres, inclusive menores; que gostava de matar com as pr?prias m?os; que uma vez queimou vivo um povoado inteiro s? porque n?o quiseram dizer onde se escondia uma pessoa que ele estava procurando; que tinha traficado todo tipo de produtos ilegais… Tantas barbaridades. E, olhando para ele, nenhum me parecia pouco cr?vel. Dava muito medo. Muito. Por sorte, ele me ignorava totalmente. Quando j? se cansou de maldizer todo mundo, levantou-se e se foi da mesma forma como tinha vindo, sem dizer nada. Eu o vi se afastando, sentindo-me em parte aliviado por ter podido falar com algu?m depois de tanto tempo. Eu me conformava com isso a essa altura. Cingapura 7 Quando cheguei em casa, D?maso e Josele correram para me perguntar sobre o encontro. Nos sentamos na sala e eu contei o que t?nhamos feito, onde t?nhamos ido e, principalmente, o que aconteceu no final, na praia. Os dois ficaram pensando um momento. Josele foi o primeiro a falar. — Com certeza ? uma paranoia sua. Ela s? est? querendo ir mais devagar. — N?o sei, Josele. Voc? n?o estava l?. Foi algo mais. No momento, parecia que ?amos continuar nos beijando, at? que algo passou pela cabe?a dela e a fez recuar. Tenho certeza de que ela queria, mas n?o consigo pensar no que poderia a ter feito parar. Talvez tenha algum tipo de doen?a contagiosa. N?o sei o que pensar. — Para, burro! Certeza que ? algo muito mais simples. As coisas costumam ser mais simples do que achamos, ? a gente que complica tudo. Provavelmente tem a ver com o que dizem os costumes do pa?s dela ou algo assim. — Estou com Josele — afirmou D?maso. — Combine de se encontrar com ela na semana que vem e veja como a coisas acontecem. — Espero que tenham raz?o. Eu a conhe?o h? apenas dois dias, mas essa garota tem algo de especial que me deixa louco. — Olha l?, voc? est? se apaixonando — disse Josele. — Quanta bobagem! Como posso estar me apaixonando se a conheci ontem? A ?nica coisa que eu queria era uma garota para passar o tempo. — Voc? ? quem est? dizendo — respondeu Josele. — Na primeira noite, nada de nada, ontem um beijinho e hoje ela est? fazendo sua cabe?a… Amigo, voc? tem um problema. — Sim, eu sei o que ? — sussurrou D?maso, com ironia. — Eu tamb?m prestei aten??o quando voc? nos apresentou ela ontem… Ela tem uns argumentos muito convincentes — disse, caindo na risada. — Como voc? ? besta! N?s tr?s rimos muito. Um pouco de bobagem n?o me ca?a nada mal. ? verdade que era uma garota linda e com um corpo incr?vel. ? claro que isso foi a primeira coisa que me chamou aten??o quando a vi no bar. Mas, conforme falava com ela no s?bado durante a festa, fui percebendo quase com certeza que era ainda mais bonita por dentro do que por fora, e que podia me acrescentar muito. Eu me escutava dizendo essas tolices e ria pensando que n?o poderia ter me apaixonado em apenas dois dias. Provavelmente era pelo estado de ?nimo t?o baixo que tinha trazido da Espanha pelo fim do meu ?ltimo relacionamento. D?maso me surpreendeu logo com a hist?ria de uma garota de Cingapura com quem Josele tinha se envolvido. — E vai ficar com ela? — perguntei. — Com ela? N?o s? n?o tenho o telefone dela, como tamb?m n?o sei como se chama. Com esses nomes t?o diferentes… — Josele n?o parava de rir. Voltamos a rir com vontade. Josele era um Casanova incur?vel. D?maso n?o desprezava uma boa oportunidade se cruzava com uma, mas o atra?a mais a festa, todos os esportes em que pudesse apostar, bronzear-se e o golfe. Fui para a cama cedo porque o dia seguinte era segunda e tinha que trabalhar, mas n?o conseguir pegar no sono a noite toda. Revirava na cama olhando para o celular para ver se ela me mandava uma mensagem ou pensando se eu deveria escrever algo para ela. Acabei n?o fazendo isso porque n?o queria incomod?-la, mas vontade n?o faltou. Quando chegou a hora de me levantar, tinha dormido apenas algumas horas em curtos per?odos. Cada vez que acordava, olhava rapidamente para o celular para ver se tinha alguma novidade. Tentei me convencer de que n?o era para tanto, mas n?o tinha jeito. Fomos para o escrit?rio e tomamos caf? da manh? na cantina com Diego, Tere, J?r?me e uma garota chinesa muito t?mida de Pequim chamada Aileen Meng. Desde que soube que Diego e Tere estavam juntos, n?o conseguia olhar da mesma forma para eles. Agora tudo pareciam gestos de cumplicidade entre eles. N?o podia evitar sorrir quando os via juntos. Inveja, talvez. J?r?me e Diego contavam uma hist?ria que parecia ser muito divertida pela forma como todos riam, sobre a cara que fez um turista norte-americano quando deram uma multa de mil d?lares a ele por mascar chiclete. Em Cingapura, o chiclete estava banido. O homem tentou discutir com o policial sobre o sentido da exclus?o nomeando as liberdades individuais e um monte de ideias mais t?picas de filmes que da realidade de Cingapura. Eu me esfor?ava para esbo?ar um sorriso quando notava que os demais tamb?m faziam isso, mas estava muito distra?do. No fim, me pareceu que j? era uma boa hora para falar com Sumalee. Me afastei um pouco dos outros e escrevi uma mensagem a ela, que respondeu quase imediatamente. — Bom dia. — Ol?! — Posso ligar para voc?? — Sim, claro. Sa? da cantina e liguei para ela enquanto dava uma volta pelos corredores. — Como vai? — Bem, e voc?? — Muito cansado, n?o pude dormir muito. — E… por que? — Pensando sobre ontem. — Foi legal, n?o foi? — Sim, foi ?timo, mas voc? me deixou um pouco confuso. — Por que? Era o momento da verdade. Meu lema nesses casos era que a sinceridade leva voc? para onde deve estar ou para onde acabar? indo, portanto, quanto antes, melhor. Com todas as consequ?ncias. — N?o sei. Eu gostei de beij?-la, tinha muita vontade de fazer isso. Mas depois voc? me deu a sensa??o de que algo a deteve. Talvez eu tenha me precipitado e n?o deveria ter me lan?ado t?o depressa. Nos conhecemos h? apenas dois dias… — N?o, n?o, n?o. Eu gostei. — Ent?o por que essa cara de repente? — Por nada… Estava cansada e estava ficando muito tarde para conseguirmos sair do parque com luz. S? isso. — Tem certeza? Sumalee, n?o quero pression?-la. Podemos ir no ritmo que quiser, mas preciso que seja sincera. Odeio mentira, para o bem e para o mal. Durante um momento, ela n?o disse nada. A espera estava me deixando louco. — Sumalee? — Sim, sim. De verdade, n?o era nada. Gostei do beijo. Foi um dia muito divertido e com um final muito especial. — Eu tamb?m gostei muito. De tudo, quer dizer. N?o s? do beijo. O mercado, a comida, que estava deliciosa no restaurante da sua amiga, Kai-Mook, e o passeio de bicicleta pelo parque… e o beijo, claro. Essa foi a melhor parte. O que acha de nos encontrarmos de novo? ? Claro! — disse, com a voz jovial que tanto gostava de ouvir. — Mas antes de quarta-feira, n?o posso. Tenho muito trabalho. — At? quarta-feira! Tudo bem, tudo bem. Tentarei aguentar at? l?. Se quiser, posso te convidar para jantar. — Me parece uma boa ideia. Onde? — Bom, digo a voc? amanh? ou na quarta de manh?. Tenho que encontrar um lugar bonito ? altura do restaurante da sua amiga. — Justo. Vamos nos falando. Preciso ir, est?o chegando clientes na ag?ncia. Um beijo. — Outro. Ouvi o som do beijo pelo telefone. Ainda que fosse virtual, tamb?m foi muito bom. N?o sabia muito bem que conclus?o tirar da conversa, porque no come?o parecia reservada e prudente, mas depois voltou a ser a Sumalee risonha. No fim, a pessoa acredita no que quer. Guardei o celular no bolso e me dirigi para minha mesa com um sorriso de orelha a orelha torcendo para que o tempo passasse o quanto antes para que eu pudesse v?-la na quarta-feira. Quando contei a meus colegas de apartamento sobre a conversa, eles comemoraram por confirmar que n?o era nada e Josele tomou para si a tarefa de procurar um restaurante diferente para poder lev?-la. O dia passou voando. Eu me sentia como se estivesse flutuando em uma nuvem. Toda vez que fechava os olhos, lembrava do beijo e revivia o suave toque de seus l?bios entre os meus. Minha pele se arrepiava s? de pensar. J?r?me, D?maso e outros colegas iam beber alguma coisa na sa?da do trabalho. Como n?o tinha muito mais o que fazer, fui com eles. Fomos a um pub que parecia mais um de qualquer esquina de Londres, com a diferen?a de que a metade da clientela era de origem asi?tica. E que a bebida era car?ssima. Muita gente fazia um “esquenta” antes, que era legal, e faziam isso principalmente em algumas pontes que ligam a ?rea Clark Quay, regi?o de caminhada por excel?ncia para os turistas, ou iam a um hawker para comprar baldes de cerveja Tiger. Em seguida, iam para as discotecas com o ?lcool no corpo, como eu fazia em Madri quando era mais jovem. Em nosso caso, que n?o pag?vamos pela moradia, dinheiro n?o era um problema. Depois, organizamos um campeonato de bilhar e dardos que me manteve entretido at? ir para casa. Ali, assaltei um pouco a geladeira e fui para a cama cedo. Sem ter dormido na noite anterior e com tanta festa, meu corpo se vacilava de vez em quando. Um pouco antes de me preparar para dormir, escrevi para Sumalee para desejar boa noite. Ela me mandou um desenho de uma menina oriental mandando um beijo que me fez sentir euforia e calor por dentro e eu retornei com outro igual. Naquela noite, dormi como um beb?. No dia seguinte, levantei cheio de energia. Fomos para o trabalho, mas desci v?rios pontos antes do nosso. Eu queria me movimentar um pouco. Precisava. Al?m disso, assim poderia ver um pouco mais da cidade. A rua estava cheia de ocidentais que estavam indo trabalhar. Isso n?o era de se estranhar, levando em conta que 40% da popula??o de Cingapura era formada por expatriados. Passei o dia trabalhando sem parar e arrastando pelo andar com minha energia o pobre J?r?me, que n?o tinha ido dormir t?o cedo quanto eu e estava com ressaca. Quando terminou o dia, eu ainda estava hiperativo, mas n?o convencia ningu?m a fazer algo interessante, a n?o ser D?maso a jogar t?nis, ent?o fomos para nossa casa e ficamos mais de uma hora correndo pelas pistas. D?maso me deu uma surra, mas n?o me importei. A ?nica coisa que eu precisava era gastar um pouco do excesso de energia. Ele, por sua vez, ficou me lembrando por v?rios dias, arrependendo-se de n?o ter apostado antes de come?ar. Um colega norte-americano, Sam, me aconselhou um lugar que me pareceu sensacional para meu encontro do dia com Sumalee. Solucionado o assunto do lugar, n?o tinha muito mais o que fazer, por isso, liguei para minha m?e, contei como tinham sido aqueles dias, sem dizer nada sobre Sumalee para que ela n?o come?asse com um filme fantasioso de casamento e muitos netos. Depois, eu e meus colegas de apartamento passamos o resto da tarde jogando Texas hold'em na sala com Shen, um cingapurense muito simp?tico de origem chinesa que era nosso vizinho. Ali pude me desforrar da derrota no t?nis e, de quebra, pagar parte do jantar do dia seguinte. D?maso n?o levou muito bem, era muito competitivo. N?o fazia outra coisa a n?o ser dizer que fazia semanas que estava com muita m? sorte, mas n?o sab?amos do que ele estava falando porque era nossa primeira partida. No fim, ele pagou o que devia. Queria escutar Sumalee antes de ir para a cama, ent?o liguei para ela. — Muito boa noite, Sumalee. — Ol?, Davichu! — Como voc? disso? N?o est? nos livros. — O que acha? Que n?o posso pesquisar por minha conta? — ela disse, fazendo cara de inocente. — Falei de voc? para uma colega portuguesa do trabalho que fala espanhol e morou muitos anos na Espanha. — Ah, sim? E o que mais ela contou? — Coisas sobre os espanh?is. Te conto quando nos virmos. Ela tamb?m me ensinou a dizer “oi” em espanhol: houla. — Quase, quase — disse, sorrindo. — Diga para ela corrigir sua pron?ncia e veremos se amanh? voc? j? vai estar falando bem. — J? sabe onde vai me levar? — Sim. N?o sei se voc? j? foi l?, mas me pareceu um lugar muito original e me lembra meu pa?s. — Onde? — ? uma surpresa. Espero, pelo menos. Amanh? voc? saber?. — N?o me deixe assim! D? uma diga pelo menos. — Tudo bem. Voc? ter? que ganhar sua comida. — O que? — Essa ? a dica, linda. Se eu deixar muito f?cil, estragar? a surpresa. — Tudo bem, tudo bem. Onde nos encontramos? — O que acha da esta??o de metr? de Seng Kang, ?s 7:30 da noite? — T?o ao norte? Voc? vai me matar de curiosidade, mas aguentarei at? amanh?. Est? bem para mim! Irei logo depois do trabalho. — Eu tamb?m. Nos vemos amanh? ent?o. Um beijo enorme. — Um beijo, David. Doces sonhos, Sumalee, pensei enquanto desligava o celular. Doces sonhos. Êîíåö îçíàêîìèòåëüíîãî ôðàãìåíòà. Òåêñò ïðåäîñòàâëåí ÎÎÎ «ËèòÐåñ». Ïðî÷èòàéòå ýòó êíèãó öåëèêîì, êóïèâ ïîëíóþ ëåãàëüíóþ âåðñèþ (https://www.litres.ru/pages/biblio_book/?art=63533016&lfrom=688855901) íà ËèòÐåñ. Áåçîïàñíî îïëàòèòü êíèãó ìîæíî áàíêîâñêîé êàðòîé Visa, MasterCard, Maestro, ñî ñ÷åòà ìîáèëüíîãî òåëåôîíà, ñ ïëàòåæíîãî òåðìèíàëà, â ñàëîíå ÌÒÑ èëè Ñâÿçíîé, ÷åðåç PayPal, WebMoney, ßíäåêñ.Äåíüãè, QIWI Êîøåëåê, áîíóñíûìè êàðòàìè èëè äðóãèì óäîáíûì Âàì ñïîñîáîì.
Íàø ëèòåðàòóðíûé æóðíàë Ëó÷øåå ìåñòî äëÿ ðàçìåùåíèÿ ñâîèõ ïðîèçâåäåíèé ìîëîäûìè àâòîðàìè, ïîýòàìè; äëÿ ðåàëèçàöèè ñâîèõ òâîð÷åñêèõ èäåé è äëÿ òîãî, ÷òîáû âàøè ïðîèçâåäåíèÿ ñòàëè ïîïóëÿðíûìè è ÷èòàåìûìè. Åñëè âû, íåèçâåñòíûé ñîâðåìåííûé ïîýò èëè çàèíòåðåñîâàííûé ÷èòàòåëü - Âàñ æä¸ò íàø ëèòåðàòóðíûé æóðíàë.