Захотелось мне осени, что-то Задыхаюсь от летнего зноя. Где ты, мой березняк, с позолотой И прозрачное небо покоя? Где ты, шепот печальных листьев, В кружевах облысевшего сада? Для чего, не пойму дались мне Тишина, да сырая прохлада. Для чего мне, теперь, скорее, Улизнуть захотелось от лета? Не успею? Нет. Просто старею И моя уже песенка спета.

Polly!

Polly! Stephen Goldin POLLY! Uma novela escrita por Stephen Goldin Publicada por Parsina Press (http://www.parsina.com/) Tradu?§??o publicada por Tektime Polly! Copyright 2008 por Stephen Goldin. Todos os direitos reservados. Copyright da arte da capa korhan hasim isik. T?­tulo original: Polly! Tradutor: In??s Nascimento Wellnitz Dedicado a todas as deusas ???passadas, presents e futuras??? que foram parte da minha vida Primeiro Acto Acordou a tossir. Inicialmente confuso ??? de onde vinha aquela tosse? - rapidamente se apercebeu do cheiro. Fumo. O ar estava negro com tanto fumo; denso, ardente, a rodopiar pelo quarto em ondas amea?§adoras. Depois foi o barulho: um rugido, como um comboio a alta velocidade, mas diferente. Talvez como um furac??o ou um tornado, uma desloca?§??o de ar t??o violenta que o seu barulho era quase ensurdecedor. Do?­am-lhe os ouvidos, talvez de uma mudan?§a na press??o do ar. E ent??o ele percebeu o que ?© que aquele som lhe fazia lembrar: o rugido de uma fornalha de tamanho industrial. Fogo! Por fim os olhos abriram-se subitamente - um grande erro, j?? que come?§aram imediatamente a arder e a chorar. O fumo e a cinza tornavam quase imposs?­vel ver o que quer que fosse, e a tosse tornava quase imposs?­vel respirar. Fogo, o pior pesadelo de qualquer dono de uma livraria; e mais ainda de um que vive no andar por cima da loja. N??o se viam chamas no quarto, e portanto ele deduziu que s?? houvesse fogo ainda no piso de baixo. A devorar-lhe o ganha-p??o. Barbara! Acordar a Barbara! Foi ent??o que se lembrou que j?? n??o havia nenhuma Barbara para acordar. Ela tinha-o deixado uns dias antes. Era s?? ele. Parte dele interrogou-se sobre o sentido de fazer alguma coisa; podia simplesmente ficar aqui, morrer e resolver assim todos os seus problemas. Mas a outra parte, aquela com um instinto de sobreviv??ncia, foi mais forte. O que ?© que sempre se recomenda em caso de inc??ndio? O fumo sobe; por isso, rasteja-se pelo ch??o para evitar respir??-lo. Mas ser?? que era a mesma coisa quando o fumo vinha do andar de baixo? Ele rolou da cama at?© ficar de joelhos no ch??o e come?§ou a rastejar; depois parou. Para que lado ficava a janela? N??o se via nada. Ele sabia em que posi?§??o estava a janela em rela?§??o ?  cama, mas o c?©rebro parecia ter desligado. Tamb?©m j?? n??o conseguia lembrar-se para que lado tinha rolado da cama: esquerda ou direita? Estava a aproximar-se da janela ou a afastar-se dela? Ouviu-se o partir de um vidro ?  sua frente: ??ptimo, estava a ir na direc?§??o certa. Uma voz gritou: ???Est?? aqui algu?©m???? Ele tentou gritar em resposta, mas tinha os pulm?µes t??o cheios de fumo que a ??nica coisa que saiu foi uma tosse seca. Mas isso foi o suficiente para o bombeiro que tinha vindo busc??-lo. ???J?? o ouvi. Estou a caminho.??? Logo a seguir o bombeiro agarrou-lhe o bra?§o, ajudou-o cuidadosamente a levantar-se e levou-o at?© ?  janela. Estava uma escada encostada ?  parede do lado de fora. ???Acha que consegue descer????, perguntou. Ele acenou com a cabe?§a em resposta. ???H?? mais algu?©m aqui????, foi a pergunta seguinte. Desta vez ele abanou com a cabe?§a. ???Sou s?? eu???, respondeu, com voz rouca. Estava outro bombeiro na escada que, juntamente com o colega, o ajudou a descer, ainda a tremer. J?? no ch??o, teve subitamente frio. Apesar ser Julho, a noite estava fresca, e ainda mais fresca parecia depois do forno que tinha sido o quarto. Ainda para mais estava s?? de cuecas. Eram a ??nica roupa com que dormia, e por isso eram a ??nica coisa que tinha vestido. Felizmente um dos bombeiros viu-o a tremer e embrulhou-o numa manta. Algu?©m lhe trouxe um fato de treino demasiado grande, que ele vestiu imediatamente; mais algu?©m lhe passou uma garrafa de ??gua. Ele virou-se para contemplar o inc??ndio, e viu, imp??vido, como o fogo lavrava pelo pr?©dio acima. As chamas faziam um belo efeito contra o breu da noite. De vez em quando, mais para ter algo para fazer do que por ter sede, bebia um pouco de ??gua. Toda a sua vida estava a ser devorada pelas chamas - bom, pelo menos tudo o que ainda n??o tinha metaforicamente ardido apenas uns dias antes. Ali estava ele, im??vel no meio do reboli?§o - todos corriam ?  sua volta fazendo todo o tipo de coisas, uns com machados de bombeiro, outros tentando extinguir o fogo com ??gua, outros ainda mantendo os expectadores a uma dist??ncia de seguran?§a. Nada daquilo o afectava muito; era como se ele, de facto, j?? se tivesse ido embora. Era como se as imagens, os sons, os cheiros se sucedessem a uma velocidade vertiginosa, mas do outro lado de um telesc??pio virado ao contr??rio. Nada daquilo era real. Nada daquilo tinha a ver directamente com ele. Uma mulher parou por um instante e falou-lhe. Disse-lhe que era da Cruz Vermelha, perguntou-lhe se ele tinha onde ficar e deu-lhe um cart??o de uma casa de abrigo que o acolheria por uma ou duas noites se ele precisasse de algum tempo para tomar provid??ncias para o futuro e organizar algumas coisas. As chamas foram morrendo lentamente. Algu?©m lhe disse que o primeiro andar tinha ficado praticamente destru?­do, mas que se tinham salvado algumas coisas dele do segundo andar: a carteira, uma c??moda com algumas roupas, o telem??vel. Numa primeira an??lise, o fogo parecia ter tido origem num problema el?©ctrico, e n??o havia suspeita de ac?§??o criminosa. A determinada altura ele devia ter ido at?© ao abrigo, embora n??o se conseguisse lembrar de o ter feito. Lembrava-se de ter acordado l??, de sair pela porta da frente, quase num trance, e descer a rua at?© a um Multibanco para levantar algum dinheiro das suas magras poupan?§as e comprar o pequeno-almo?§o. Mastigou e engoliu a comida sem lhe saber a nada - podia at?© ter comido papel que n??o tinha feito diferen?§a nenhuma... O resto do dia passou-o no mesmo estado de esp?­rito. Foi ao que restava do apartamento buscar as poucas roupas que se salvaram e guardou-as em sacos de pl??stico de supermercado. Contactou o agente de seguros, que lhe deu as condol??ncias antes de lhe recordar que, embora a maior parte do valor do neg??cio estivesse coberto, os valores pessoais n??o estavam. Ele saiu do escrit??rio com uma pilha de papelada para preencher e devolver assim que estivesse pronta. Passou essa noite numa pens??o barata, sem relembrar nada do que tinha acontecido. Quando acordou, a realidade come?§ou a penetrar lentamente na sua consci??ncia. Ia ter de arranjar onde ficar, j?? que n??o tinha dinheiro para continuar a viver numa pens??o. Tinha de fazer o ponto da situa?§??o, avaliar o que lhe sobrava; pelo menos isso ia ser r??pido, j?? que n??o havia muito para inventariar. Para onde havia de ir? O irm??o tinha um rancho no Nevada e estava sempre a convid??-lo para o ir visitar. Era uma boa ideia, pensou ele. Come?§ou algumas vezes a marcar o n??mero do irm??o para o avisar de que ia ter com ele, mas desistiu sempre antes de estabelecer a liga?§??o. Isto n??o era uma hist??ria que se contasse por telefone. E se ele entrasse em choque e n??o conseguisse falar, se de repente se apercebesse realmente do que se tinha passado e ficasse pregado ao ch??o, sem conseguir reagir? N??o, era melhor ir at?© l?? e fazer uma surpresa ao irm??o. Quem sabe, talvez a viagem o ajudasse a p??r alguma ordem nas suas pr??prias ideias. Atirou os poucos pertences que tinha para dentro do seu Toyota e come?§ou a conduzir em direc?§??o a nascente. Segundo Acto A viagem come?§ou tranquilamente: sair da cidade para apanhar a auto-estrada era simples. O dia estava quente e o ar condicionado estava avariado, mas o sistema 4-90 - 4 janelas abertas a 90 km/h - ajudava a suportar o calor. O carro n??o tinha leitor de CD, mas a r??dio estava a passar boa m??sica, rock cl??ssico. Ao menos isso. Enquanto ele se concentrasse no que estava a cantar, n??o pensava naquilo em que n??o queria pensar. Era de manh?? e estava na hora de ponta. Ainda havia muito tr??nsito no sentido oposto, mas nenhum no dele: estava a conduzir no sentido contr??rio ao de toda a gente, para fora da cidade. N??o havia nada que o obrigasse a abrandar. Mudou depois de auto-estrada, passando de quatro faixas para duas. O ??nico tr??nsito que havia era ainda s?? no sentido oposto, o que significava que ele podia conduzir ?  vontade. Carregou no acelerador e o barulho do vento aumentou, abafando a m??sica e levando-o a aumentar o volume do r??dio. A estrada ainda seguia para nascente por cima das colinas e descia depois para o vale central da Calif??rnia, quente e abafado. Este era um s?­tio onde s?? os tolos - ou os desesperados - se aventuravam no Ver??o sem ar condicionado. Ele n??o sabia ao certo em qual das categorias se enquadrava. As colinas, que ele tinha deixado para tr??s, bloqueavam-lhe o sinal do r??dio, que come?§ou a falhar. Mesmo aumentando o volume se ouvia muito pouco, e era mais est??tica do que m??sica; come?§ou ent??o a carregar no bot??o ?  procura de outra esta?§??o. Passou umas quantas ?  frente - desporto, um comentador qualquer claramente a tentar espica?§ar os ouvintes - e uma esta?§??o onde estavam a falar em espanhol. Tentou mudar para FM, mas quase n??o havia recep?§??o, por isso voltou para AM e acabou por encontrar uma esta?§??o que tocava m??sica variada, de oldies a rock cl??ssico. N??o era m??, embora fosse demasiado calma para o seu presente estado de esp?­rito. A temperatura estava agora a aumentar rapidamente. O vento era t??o quente quanto o ar dentro do carro, e ele come?§ou a transpirar. Parou numa esta?§??o de servi?§o, atestou o dep??sito e comprou garrafas de ??gua que, pensou ele, deviam ser suficientes para bastante tempo. A primeira bebeu-a em meia hora; e transpirou no mesmo espa?§o de tempo quase a mesma quantidade de ??gua. Abriu a segunda garrafa e despejou parte dela na cabe?§a, o que o ajudou a reduzir a temperatura para os limites do razo??vel. Depois de sessenta quil??metros nisto, apanhou uma sa?­da para uma auto-estrada com duas faixas de rodagem, quase vazia; tinha a estrada s?? para si. O rel??gio marcava dez e meia. N??o estava a correr mal. Se continuasse assim talvez conseguisse at?© chegar ao rancho antes de escurecer - e de certeza que chegava antes de j?? estarem todos a dormir. A paisagem estava a mudar lentamente e os campos agr?­colas bem cultivados estavam a dar lugar a uma zona ??rida, de mato e vegeta?§??o baixa. As montanhas no espelho retrovisor encolhiam ?  medida que ele se aproximava do centro do vale. Tamb?©m esta esta?§??o de r??dio estava a come?§ar a falhar, agora com interfer??ncias de uma outra esta?§??o local, que orgulhosamente anunciava que tocava ambos os tipos de m??sica, country e western. Na escala de prefer??ncias dele esses estavam s?? um ponto acima de rap, que por sua vez estava s?? um ponto acima de est??tica. Ouviu portanto com pouco interesse os acordes doloridos da m??sica; mas depois de tr??s cantores diferentes cantarem tr??s can?§?µes de sofrimento sobre a mulher que os deixou, ele desligou o r??dio, irritado, e continuou a conduzir em sil??ncio. Percebeu rapidamente que tinha sido um erro. Nos vinte quil??metros seguintes o pensamento dele ganhou asas e voou para longe. O IRS. Barbara. O inc??ndio. A loja. Barbara. Impostos. Fogo. At?© m??sica country era melhor do que isto. A temperatura continuou a subir. Ele bebeu o resto da ??gua da segunda garrafa e voltou a despejar uma parte da terceira garrafa na cabe?§a, mas desta vez n??o resultou t??o bem. Pelo menos ele tinha estofos de tecido em vez daquela imita?§??o barata de couro: conduzir com a pele a colar-se naquele material a ferver teria sido muito pior, e a viagem j?? estava a ser suficientemente desconfort??vel. Olhou para o assento do lado: a pilha de pap?©is do seguro seguia l?? viagem, com um dos sacos de roupa a servir de pisa-pap?©is. Ele tinha dado uma vista de olhos aos formul??rios quando o agente de seguros lhos tinha entregado, e eles queriam toda a esp?©cie de informa?§??o, provavelmente at?© o nome de solteiro do pai e o signo do av??. Tinha havido um inc??ndio, pelo amor de Deus! A maior parte dos seus documentos tinha perecido. Como ?© que eles esperavam que ele lhes pudesse dar informa?§??o sobre as finan?§as do neg??cio se toda a informa?§??o tinha ardido? N??o. Esta n??o era a altura certa para pensar nisso. Era altura de ouvir m?? m??sica country e meditar enquanto conduzia pelo deserto. O ponteiro do veloc?­metro passou os cento e trinta quil??metros por hora. Sem tr??nsito na estrada, n??o havia nada que o impedisse de acelerar; e era pouco prov??vel que a pol?­cia se interessasse por ele numa auto-estrada deserta. Nesse preciso momento, viu outro carro a dar-lhe sinal de luzes. Encostou, a vociferar. J?? conhecia o procedimento: pegou nos documentos do carro e na carta de condu?§??o e entregou-as ao agente da pol?­cia, que lhos devolveu juntamente com uma multa, tudo de forma muito civilizada; quinze minutos depois j?? estavam ambos de volta ?  estrada. A temperatura estava agora a subir mesmo a s?©rio. Ele despejou o resto da terceira garrafa de ??gua na cabe?§a e quase que a sentiu evaporar-se ao tocar-lhe na pele. Bebeu depois a quarta garrafa de um s?? trago, o que n??o ajudou grande coisa. Parou ent??o numa pequena bomba de gasolina que anunciava ser a ??nica nos pr??ximos cem quil??metros e atestou de novo o dep??sito. A gasolina era car?­ssima e ele estava a ficar sem dinheiro, mas com o azar com que andava nestes dias, era melhor n??o arriscar a alternativa. Uns minutos depois come?§ou a perder o sinal da esta?§??o de r??dio country, e come?§ou desesperadamente ?  procura de outra, mas a ??nica coisa que conseguiu encontrar ali, no meio do nada, foi uma esta?§??o religiosa. Porque diabo estava uma esta?§??o destas a transmitir a meio de um dia de semana? Nem sequer era domingo. N??o era suposto estas r??dios limitarem-se a transmitir pela noite dentro, quando n??o havia perigo de incomodar gente decente? "Estes eeee-volucionistas her?©ticos querem convencer-vos de que foi tudo um acidente", dizia o pregador. "Se encontrasses um rel??gio no meio de um campo, dizias 'que estranho, todas estas pe?§as de metal se juntaram por acaso no meio de um campo de maneira a poderem marcar o tempo'? Que conclus??o t??o est??pida, rid?­cula, sem sentido, asinina, bronca, tola, palerma! Ou ias achar que algu?©m tinha constru?­do esse mecanismo complexo com um objectivo em vista? Um rel??gio vem de um relojoeiro, t??o certo como a noite segue o dia!" "Pois", disse ele irritado na direc?§??o ao r??dio, "um relojoeiro imbecil que, ou n??o sabe, ou n??o quer saber se deixa um rel??gio no meio de um campo est??pido qualquer. Se calhar foi o dono que o perdeu ou o deitou fora porque n??o funcionava em condi?§?µes. Ent??o e se deixasses uma barra de ferro no tal campo e voltasses uns meses depois e a encontrasses coberta de um p?? vermelho? Achavas que algu?©m a tinha pintado, n??o? Ou achavas que tinha enferrujado, seu cretino!" Mas o pregador do r??dio ignorou-o. "O que esta gente n??o consegue discernir ?© que tudo ?© parte de algo maior, algo t??o grande que n??s n??o conseguimos ver todos os detalhes. O plano de Deus ?© t??o grande que nos envolve como um cobertor, quente e macio. O plano de Deus ?© vasto e existe para todos n??s, e todos temos um papel nele." "O plano de Deus inclui reduzir a minha loja a cinzas?", disse ele, agora a gritar para o r??dio. "Deus quer que eu fique na rua e na bancarrota? E o IRS, tamb?©m ?© alguma parte obscura do plano de Deus? Deus precisa assim tanto dos meus oito mil d??lares? Faz parte do plano de Deus passar-me uma multa? Ou fazer com que a Barbara me deixasse? O que ?© que o plano de Deus me traz? Onde raio est?? esse cobertor de amor e conforto? ?? um cobertor todo comido pelas tra?§as, ?© o que ?©!" Bateu furiosamente no bot??o do r??dio para o desligar. O suor na sua cara misturava-se com l??grimas, fazendo-lhe arder os olhos e dificultar a vis??o. Se houvesse tr??nsito podia ter havido problemas, mas n??o havia ningu?©m ?  vista com quem ter um acidente, e ele l?? conseguiu manter o carro na estrada. At?© o sil??ncio, at?© os pr??prios pensamentos eram melhores do que ouvir aquele lixo, mesmo que fossem pensamentos de raiva, confusos, depressivos e desesperados. Ao menos eram os pensamentos dele, e n??o de um aldrab??o hip??crita qualquer. Ele acabou com a ??gua mais depressa do que esperava, bebendo metade e despejando a outra metade na cabe?§a. Mas serviu de pouco; ainda estava um calor insuport??vel. Terceiro Acto A princ?­pio ele pensou que fosse uma miragem; mas como a imagem estava bem definida e aumentava de tamanho ?  medida que ele se aproximava, devia ser real. Tratava-se uma mans??o grande de pedra branca brilhante. As filas de janelas, uma em cada andar, reflectiam o sol da tarde. A entrada estava protegida por um alpendre comprido suportado por colunas de m??rmore branco, e em frente da casa havia um relvado rectangular que contrastava com o deserto est?©ril a toda a volta. Ele conhecia esta estrada e n??o se lembrava de nenhuma casa como esta, mas a ??ltima vez que tinha passado aqui j?? tinha sido h?? alguns anos, e n??o era de admirar que as coisas tivessem mudado entretanto. A casa ficava cerca de trinta metros afastada da estrada, com a entrada de frente para esta. ?? volta era tudo plano, sem nada que quebrasse a monotonia da paisagem ?  excep?§??o de algum mato aqui e ali e alguns cactos solit??rios; at?© as montanhas, uma constante da paisagem californiana, eram apenas uma sombra azul no horizonte distante. Ele estava demasiado concentrado na pr??pria desgra?§a para perder muito tempo a pensar na casa. Era como se uma nuvem negra ensombrasse tudo o resto, e assim ele ignorou a mans??o e continuou a conduzir. Ou, pelo menos, era essa a sua inten?§??o. Do nada, o motor come?§ou a falhar e parou, e o velho Corolla foi perdendo velocidade at?© parar quase em frente ?  rampa de acesso ?  casa. Ele s?? conseguiu conduzi-lo at?© ?  berma de maneira a n??o estar no meio do caminho de outros carros que viessem atr??s dele - n??o que houvesse grande probabilidade de isso acontecer. O ponteiro da gasolina mostrava o dep??sito pela metade. Ele rodou a chave na igni?§??o algumas vezes, mas tudo o que se ouviu foi um ru?­do lamuriento. "Porra!", gritou ele para o carro, a dar murros no volante. "Porra, porra, porra, porra, porra! Porqu?? eu? E tinha que ser agora? Eu sabia que n??o devia ter confiado nesta lata velha para fazer uma viagem destas!" Atirou um olhar quase enojado para a papelada da seguradora no assento do pendura debaixo do saco com roupa, saiu do carro e atirou furioso com a porta. Abriu o capot para examinar o motor, mas era um gesto f??til - ele n??o percebia nada de motores, n??o fazia ideia do que procurar e ainda menos ideia fazia de como reparar o que quer que fosse que por acaso encontrasse. Olhou impacientemente para o rel??gio: meio-dia e trinta e cinco. Estavam de certeza quase quarenta graus, a temperatura ainda ia subir ?  medida que o dia avan?§asse, e n??o havia uma brisa que fosse. Ele ia ter de fazer alguma coisa se queria chegar ao rancho antes de a noite cair. Tirou o telem??vel do bolso, mas n??o ia ser grande ajuda - n??o tinha rede. Tamb?©m, quem ?© que ia construir uma torre de telecomunica?§?µes no meio do nada para lebres e coiotes? Atirou o telem??vel para o deserto com toda a for?§a que tinha. "N??o prestas para nada!", gritou ele. "Serves para qu??, afinal? Para que ?© que serve isto tudo?" Deu um pontap?© de frustra?§??o no carro e engoliu um solu?§o. "Para que ?© que serve isto tudo?" O que ele queria realmente fazer era entrar para o carro e enrolar-se no banco de tr??s e choramingar; quem sabe at?© chuchar no dedo, tal como um beb?©, e o universo podia seguir o seu caminho e deix??-lo para tr??s. Era capaz de ser melhor isso do que o que tinha andado a fazer at?© agora. Olhou ent??o para cima, para a mans??o. Pelo menos podia pedir para usar o telefone deles e chamar a Assist??ncia em Viagem; se bem que, com o azar dele, provavelmente n??o estaria ningu?©m em casa... Olhou ent??o para as suas roupas. Apesar de ter despejado v??rias garrafas de ??gua por si abaixo, o calor do deserto j?? as tinha secado. ?? falta de um pente, passou os dedos pelo cabelo e meteu pelo acesso ?  casa, contente por, pelo menos, n??o ser uma noite escura de tempestade, porque a?­ podia at?© estar a entrar no covil do Dr??cula ou do Frank N. Furter ou algu?©m do g?©nero. T??o absorvido ia ele nestes pensamentos tenebrosos que j?? estava quase a meio do acesso ?  casa quando viu o boneco de neve no relvado junto ao alpendre. Tinha de ser uma daquelas decora?§?µes de Natal de pl??stico, pensou. Algu?©m tinha um sentido de humor muito especial, deixar uma coisa assim c?? fora no meio de Julho; ou ent??o algu?©m era muito pregui?§oso para ir arrumar o boneco, uma das duas. Mas, ?  medida que se ia aproximando, o boneco parecia cada vez mais feito de neve a s?©rio. Era um boneco tradicional, com tr??s bolas de neve, umas em cima das outras, a de baixo quase um metro de di??metro, a do meio pouco mais de meio metro e a da cabe?§a um palmo e meio mais pequena. Os olhos eram duas ameixas pretas, o nariz era um pickle de pepino e a boca era feita de cerejas alinhadas num sorriso. Tinha ainda um cachecol amarelo e vermelho a marcar o pesco?§o e, na cabe?§a, em vez do tradicional chap?©u alto, um bon?© de basebol dos Oakland A. Os bra?§os eram magricelas para o corpo rechonchudo - eram feitos de dois paus espetados nos ombros. Ele avan?§ou at?© ao boneco de neve e tocou-lhe: estava frio. Era mesmo feito de neve verdadeira, e estava aqui neste relvado com quarenta graus debaixo do sol escaldante do deserto em pleno m??s de Julho. Recuou ent??o devagar, sem conseguir tirar os olhos do boneco, que ali estava, imp??vido e sereno, claramente sem qualquer inten?§??o de se deixar derreter. Por fim, sacudiu a cabe?§a rapidamente para afastar daqui o pensamento; havia muitos outros assuntos mais prementes de momento. Subiu assim os quatro degraus at?© ?  varanda, aproximou-se da grande porta da frente, e tocou ?  campainha. A porta abriu-se passados alguns segundos e ele deu por si a olhar para a mulher mais bonita que alguma vez tinha visto. Era baixa ??? ele media s?? um metro e setenta, e ela mal lhe chegava ao nariz ??? mas essa era a ??nica coisa que ele talvez pudesse ter considerado menos perfeita nela. Tinha propor?§?µes perfeitas, nem demasiado voluptuosa, nem demasiado maria-rapaz. O cabelo castanho-escuro, cortado curto, emoldurava um rosto tamb?©m perfeito, com olhos castanhos brilhantes, um nariz atrevido e uma boca pequena e cheia de vida. Vestia uma esp?©cie de macac??o comprido preto de cetim. As cal?§as eram largas e fluidas; a parte de cima eram duas faixas de tecido que partiam da cintura, subiam pelo tronco e atavam atr??s do pesco?§o. Estava a usar sapatos de salto baixo pretos e as costas estavam nuas. N??o era magra como algumas modelos, mas n??o se lhe via um pingo de gordura. Usava uma corrente fina de ouro ao pesco?§o, com um medalh??o grande de v??rios cent?­metros de largura com pelo menos uma d??zia de luzinhas que acendiam e apagavam. N??o parecia ter muito mais de vinte anos. Ele estava t??o ocupado a admir??-la que quase se esqueceu do motivo porque tinha tocado. ???Hum, desculpe incomod??-la, mas o meu carro avariou-se na estrada ali ?  frente, e eu pensei...??? ???Bem, n??o fique a?­ fora nesse forno???, disse ela, fazendo-lhe sinal para entrar. ???Venha para dentro, o ar condicionado est?? ligado e est?? muito mais agrad??vel. Bem-vindo ?  Casa Verde.??? ???Obrigado???, disse ele, entrando. Ela fechou a porta, e ele deliciou-se com a temperatura da sala. H?? horas que n??o sabia o que era sentir-se fresco. Estavam numa sala com um ch??o de mosaicos de m??rmore brancos e pretos e um enorme candeeiro de cristal suspenso do tecto alto. Um corredor amplo e longo com v??rias portas para outras salas levava ?  parte de tr??s da mans??o. Uma escadaria larga atapetada de verde-escuro levava ao andar superior. ???Detesto incomod??-la assim??¦???, come?§ou ele, mas ela interrompeu-o outra vez. ???Disparate. N??o incomoda nada. N??o pode escolher onde o seu carro se avaria, pois n??o???? ???N??o???, suspirou ele. ???Esperava que me deixasse usar o seu telefone para uma chamada r??pida.??? ???At?© deixava, se tivesse um.??? ???Vive aqui longe de tudo sem um telefone???? ???Se eu tivesse um telefone, as pessoas iam passar a vida a tentar ligar-me???, disse ela. ???J?? h?? demasiadas pessoas a tentar falar comigo. Prefiro estar um pouquinho inacess?­vel.??? ???Mas e se tem algum problema????, insistiu ele. ???Se precisar de contactar algu?©m???? ???N??o tenho nenhuma dificuldade em entrar em contacto com quem quero???, disse ela. ???E n??o h?? problema que eu e o meu pessoal n??o consigamos resolver.??? ???Ah, tem pessoal. Assim sempre ?© melhor.??? ???Yep. Ali??s, eu ia sugerir que o meu motorista desse uma vista de olhos ao seu carro. Provavelmente saber?? repar??-lo.??? ???N??o quero dar-lhe inc??modo...??? ???Oh, n??o me incomoda nada. O Fritz ?© que vai fazer isso. ?? para isso que ele c?? est??.??? Ela pegou no medalh??o e falou na direc?§??o dele. ???Fritz, est?? um carro na estrada aqui em frente que parou de funcionar. Podes dar-lhe uma vista de olhos e ver se o consegues p??r a andar???? ???Sim, Fraulein???, disse uma voz vinda do medalh??o. O sotaque alem??o era t??o clich?© que quase que se podia ouvir o bater da contin??ncia do outro lado. ???Muito obrigado???, disse ele. Ela virou-se para o encarar. ???A prop??sito, o meu nome ?© Polly.??? "Ah, hum, ol??. Eu sou o Rod." Ela inclinou a cabe?§a para a esquerda. "Mas n??o se parece nada com um "rod"1 (#litres_trial_promo). "Como ?© um "Rod", ent??o?" "Oh, longo, cil?­ndrico e duro." Ela fez um sorriso malicioso. "A menos que seja uma alcunha." Ele corou violentamente. "??, hum, ?© o diminutivo de Herodotus", disse baixinho. Ao mesmo tempo perguntou-se porque ?© que o tinha dito; era uma informa?§??o que ele quase nunca dava voluntariamente, muito menos a um estranho. "Ah, o historiador grego!", exclamou Polly. "Que chique." "Conhece?" "Claro! Eu adoro a Gr?©cia Antiga." "Pois, o meu pai tamb?©m. Era professor de cultura cl??ssica." "Ele devia gostar muito de si para lhe dar um nome t??o nobre." Herodotus fez um esgar de esc??rnio. "Herodotus Shapiro ?© um nome horr?­vel para dar a um rapaz judeu." "Eu gosto. Vou tratar-te por ???tu???. Importas-te que eu te chame "Hero2 (#litres_trial_promo)"?" "Prefiro Rod, a s?©rio." "Podes ser o meu Hero", disse ela, ignorando-o completamente. "Sempre ?© melhor que "Her3 (#litres_trial_promo)", n??o achas?" "N??o me faz diferen?§a", respondeu com resigna?§??o. Ele tinha de momento problemas muito mais prementes do que aquilo que uma mi??da qualquer tola e rica lhe chamava. De momento, um desses problemas era conseguir tirar os olhos do corpo deslumbrante dessa mi??da tola e rica e n??o se babar para o ch??o. Ela meteu o bra?§o no dele e levou-o em direc?§??o ?  sala que ficava ?  direita. "Anda para a sala e junta-te ?  festa!" "Festa?" Sentiu o peito subitamente apertado. Festas estavam cheias de gente normalmente muito bem disposta, e gente bem disposta era a ??ltima coisa de que ele precisava neste momento. "Oh, eu n??o queria vir ?  penetra..." "N??o conseguias vir ?  penetra nem que quisesses", disse-lhe Polly firmemente. Ele sentiu-se de repente muito consciente do facto de estar despenteado e transpirado da viagem. "Acho que n??o ia estar ?  vontade. Muito provavelmente n??o conhe?§o ningu?©m..." "N??o te preocupes, vais dar-te lindamente. ?? tudo boa gente, n??o convido ningu?©m que n??o seja." "Mas... hum... nem estou vestido para uma festa." "N??o te preocupes, todas as minhas festas s??o ???venha-como-estiver???, muito informais. As pessoas s??o mais importantes para mim do que as roupas que trazem vestidas. Anda!" Ela abriu as portas de correr e levou-o para um sal??o cheio de gente. Uma m??sica de fundo instrumental alegre estava a tocar enquanto as pessoas conversavam entre elas amigavelmente, e aqui e ali ouviam-se gargalhadas. A alcatifa azul-claro estava coberta por dois tapetes persa com fundo azul-real. O papel de parede era num ton-s?»r-ton de riscas horizontais azul-pastel e azul-marinho que corriam entre o tecto e os rodap?©s altos. Havia um sof?? estilo s?©c. XIX comprido em brocado azul, cinco cadeiras estofadas com um padr??o de jacintos azuis em losangos sobre um fundo verde-lima e, ao fundo do sal??o, um piano de cauda azul-beb?©. Pequenas mesas de apoio de mogno em estilo antigo faziam sobressair a consola em meia-lua debaixo de um grande espelho de contornos biselados. No entanto, toda a gente estava de p?© a conversar; ningu?©m estava a fazer uso do elegante mobili??rio. Ele examinou a multid??o sem encontrar nenhuma cara conhecida. "Como ?© que conseguiste que todas estas pessoas viessem at?© t??o longe para a tua festa?" "Convidei-as", disse Polly simplesmente. "As pessoas gostam das minhas festas." Ela carregou num bot??o do medalh??o que tinha ao pesco?§o e um zumbido suave mas insistente soou no sal??o; os convidados interromperam as conversas para olhar para a porta. "Ol?? a todos", disse ela. "Espero que estejam a divertir-se!" A maior parte das pessoas acenou com a cabe?§a, outros murmuraram afirmativamente. "??ptimo!", disse Polly. "Se houver algum problema, digam-me. Quero apresentar a todos o meu Hero. Bem, na verdade o nome dele ?© Herodotus Shapiro, mas eu acho que Hero lhe cai como uma luva. Por favor, fa?§am-no sentir-se bem-vindo!" Ouviu-se um breve aplauso vindo dos convidados, o que s?? fez com que Herodotus ficasse ainda mais embara?§ado. Polly olhou para ele: "Est??s com cara de quem precisa de uma bebida." "N??o costumo beber..." "S?? um copo de vinho. Fifi!", chamou ela. Uma bela rapariga loira, nova e vivaz vestida com uma farda branca e preta de gar?§onette aproximou-se segurando um tabuleiro com copos de vinho. O uniforme era muito reduzido e deixava pouco espa?§o ?  imagina?§??o, em particular no que respeitava ?  perfeita perpendicularidade dos seus ap??ndices mam??rios. "Oui, mademoiselle?", perguntou ela. Polly pegou com destreza em dois copos do tabuleiro, deu um a Herodotus e ficou com o outro. "Fifi, quero que te certifiques que o Hero tem tudo o que deseja." A gar?§onette olhou para Herodotus e sorriu. "Farei o meu melhor", prometeu ela, subitamente enrouquecida, com as ancas e os ombros a ondear como se corressem em eixos separados. Polly ergueu ent??o o copo num brinde. "A novas amizades", disse, tocando com o copo dela no seu. Herodotus olhou para o l?­quido dourado no copo e provou-o; era delicioso - doce sem ser enjoativo, suave, refrescante e com uma nota tonificante e frutada. Bebeu mais um pouco, desta vez com prazer. Ela observava-o com um sorriso. "Gostas?", perguntou. "Sim, ?© muito bom." "?? das minhas vinhas", gabou-se ela. "Chama-se Satisfa?§??o, e ?© o vinho de uvas felizes. Estas vinhas est??o mesmo ao lado de umas onde tenho as uvas da ira. Guardo este vinho para ocasi?µes especiais." "Olha, Polly, eu..." "Desculpa ter de te abandonar por algum tempo, mas tenho de ir tratar dos outros convidados. Sabes como ?©, deveres de anfitri??... Mete conversa com as pessoas, diverte-te. Se precisares de alguma coisa, a Fifi e o James est??o ?  tua disposi?§??o." "Quem ?© o James?" "O meu mordomo. N??o demoro muito. Depois podemos falar." Ela bebeu um pouco do vinho e misturou-se com os outros convidados, coleccionando sorrisos de todos com quem falava, at?© desaparecer na multid??o. Herodotus sentiu-se muito deslocado e s??. Toda a gente tinha um ar amig??vel, ?© certo, mas ele n??o estava a sentir-se particularmente soci??vel - n??o hoje. Dirigiu-se ao sof??, sentou-se t??o levemente quanto pode numa das extremidades por respeito ?  sua ??bvia antiguidade e tentou passar t??o despercebido quanto poss?­vel. Passados alguns minutos, um homem aproximou-se e sentou-se ao seu lado. Aparentava estar perto dos setenta anos, com uma cara magra de pele enrijecida pelas intemp?©ries e cabelo branco-neve no alto de uma testa com entradas profundas. Era magro com uma barriga algo proeminente e tinha a face enrugada, mas simp??tica. Havia ali muitas linhas de sorriso. "H?? quanto tempo a conhece?", perguntou o homem com bons modos. "Quem? Polly?" "?? esse o nome que ela usa agora? Sim, Polly." "Encontrei-a pela primeira vez h?? uns minutos." O homem acenou com a cabe?§a. "Eu conhe?§o-a h?? cinco anos. Eu e a minha mulher est??vamos casados h?? quarenta e tr??s anos, e ela nunca tinha estado doente um dia que fosse, ?  excep?§??o de um espirro de vez em quando. Um dia a Alice foi ao hospital, e tr??s semanas depois morreu com cancro. Todo o meu mundo colapsou, e eu pensei que mais valia morrer e ir ter com ela. Foi a?­ que uma enfermeira veio ter comigo na sala de visitas e me consolou. Eu n??o sou o tipo de homem que chora, mas nesse dia chorei no ombro dela como uma crian?§a - molhei-lhe a farda toda. Mas ela n??o se importou. Contei-lhe tudo sobre a Alice, devemos ter passado horas a falar. Sabe, alguns amigos tinham tentado consolar-me dizendo que a Alice tinha ido para um lugar melhor, mas a Polly nunca me tentou convencer de nenhum desses disparates. Ela esteve simplesmente ali, presente, e isso foi o suficiente; e algum tempo depois o resto do mundo tamb?©m passou a estar presente - mais vazio sem a Alice, mas com mais esperan?§a do que eu tinha tido at?© a?­." Ele parou por um momento, e perguntou: "E qual ?© a sua hist??ria?" Herodotus corou. Depois de uma hist??ria como aquela, o que ?© que ele podia dizer? "O meu carro avariou-se em frente aqui ?  casa", respondeu ele, quase em tom de desculpa. O velho olhou para ele por uns momentos com um sorriso quase impercept?­vel nos l??bios, e acabou por se levantar. "Certo", disse, esticando o bra?§o e dando uma palmada amig??vel nas costas de Herodotus. "Lembre-se, como Polly sempre diz, nada est?? perdido enquanto houver esperan?§a." E foi-se embora. Herodotus tomou mais um pouco do vinho e observou os convidados. Ap??s alguns minutos, um homenzinho com um ar de fuinha, vestido com um fato cinzento e com uma camisa branca perfeitamente engomada e um la?§o vermelho ao pesco?§o, aproximou-se do sof??. Em vez de se sentar nele, deu a volta at?© estar por tr??s de Herodotus e inclinou-se para lhe murmurar ominosamente ao ouvido: "Sai daqui enquanto podes." "Como?" "Ouviste-me bem. Sai daqui antes que seja tarde demais", e afastou-se sem mais explica?§?µes. Herodotus perguntou-se em que toca de coelho tinha ca?­do enquanto via o homem afastar-se. Ele n??o tinha escolha sen??o ficar - a menos que quisesse caminhar oitenta quil??metros pelo calor escaldante do deserto. Pelo meio da multid??o andava descontraidamente um gato preto de pelo comprido e olhos dourados brilhantes. Com delibera?§??o felina, veio at?© ao sof??, examinou Herodotus com aten?§??o, e saltou-lhe para o colo; Herodotus afagou-o levemente. O gato n??o levantou objec?§?µes e come?§ou a ronronar, dando-lhe palmadinhas nas coxas com as patas macias. Polly regressou nesta altura, desta vez vestida com um body de lantejoulas com riscas verticais vermelhas e brancas e debruado a azul com estrelas tamb?©m brancas numa fila vertical ao longo do peito e da anca. Os ombros, bra?§os e pernas estavam nus, e nos p?©s trazia sapatilhas de ballet. "Ah, encontraste o Midnight", sorriu Polly. "Acho que ele ?© que me encontrou a mim", disse Herodotus. "Estou a ver que est??s habituado a ver as coisas de uma perspectiva felina." "J?? tive alguns gatos", admitiu ele. "Isso agrada-me. Os gatos s??o a prova viva que Deus estava a brincar quando disse que n??o dev?­amos ter mais nenhum deus para al?©m dele." Ela baixou-se e afagou por sua vez o gato, que ronronou ainda mais alto. Polly saltou para o sof?? ao lado dele, deu uns quantos saltos com toda a distin?§??o e boas maneiras de uma crian?§a de dez anos com excesso de energia, e acabou sentada de lado, de pernas cruzadas, a olhar para ele. O gato nem estremeceu. "E agora, do que ?© que havemos de falar?", perguntou ela. Herodotus abanou a cabe?§a. "N??o estou com vontade de falar. S?? quero arranjar o meu carro e p??r-me a caminho." A voz de Polly soou compassiva. "Est??s com problemas, hein?" "Eu disse que n??o queria falar sobre isso", disse ele num tom mais brusco do que tinha sido a sua inten?§??o. "Tudo bem", disse ela, agora a fazer festas ao gato. "Ent??o podemos falar do meu tema favorito ??? a minha pessoa. Faz-me perguntas, vejo na tua cara que est??s cheio delas. Pergunta-me o que quiseres. Estou muito bem disposta, e assim dou-te uma oportunidade ??nica pela qual alguns homens dariam a pr??pria vida." Era ??bvio que ela n??o ia deix??-lo em paz, por isso mais valia fazer-lhe a vontade. "Cultivas muitas flores aqui?" Ela ficou espantada e confusa por alguns segundos. "Tenho de admitir que n??o me perguntam isso muitas vezes. Normalmente v??m coisas do g?©nero ???qual ?© o sentido da vida??? ou ???porque ?© que isto tinha que me acontecer a mim???. ?? verdade que tenho um canteiro no jardim das traseiras, mas n??o ?© maior do que os jardins de Versailles. Porque perguntas?" "Bem, quando eu entrei disseste: ???Bem-vindo ?  Estufa4 (#litres_trial_promo)???." Polly riu-se; e o riso dela soava como um espanta-esp?­ritos a tilintar numa brisa suave, um som que enchia a sala de brilho, que era a pr??pria ess??ncia da alegria. "N??o ?© ???Estufa???, ?© ???Casa Verde???. Por causa da cor." "A casa ?© branca." "OK, mas ???Casa Branca??? j?? est?? ocupado5 (#litres_trial_promo), topas?" Herodotus fechou os olhos. Era como se o c?©rebro dele tivesse acabado de entrar num banco de nevoeiro. "N??o sei se isso faz alguma esp?©cie de sentido." "Sentido? N??o havia nada sobre ???sentido??? no contrato. N?©pias. Nem sobre ???justo???, j?? agora, nem mesmo nas letras mi??das. Eu li-o todo." Herodotus estava a come?§ar a achar que Polly vivia sozinha h?? demasiado tempo. Estava mesmo para se levantar e dizer que esperava l?? fora quando o mordomo se aproximou do sof??. Era um homem alto de smoking, o cabelo a rarear e j?? branco nas fontes, que mantinha uma pose de superioridade e trazia uma bandeja de prata com canap?©s na m??o direita. Ele baixou a bandeja com eleg??ncia para que Herodotus pudesse examinar o seu conte??do e disse, com um sotaque brit??nico quase aristocr??tico: "Aperitivos?" "Obrigada, James", disse Polly, pegando num canap?© de aspecto invulgar e olhando para Herodotus. "Apetece-te alguma coisa?" Ele olhou para a bandeja. Na maior parte das festas a que ele tinha ido tinha havido batatas fritas, ou Doritos e snacks do g?©nero, ou ta?§as de frutos secos e miniaturas, mas nenhum destes canap?©s lhe era familiar. "Hum, o que ?© que recomendas?" "Oh, s??o todos ??ptimos", disse Polly. "Eu ?© que os fiz." Herodotus escolheu ent??o um que parecia uma pequena flor vermelha e castanha numa bolacha. Experimentou dar uma dentada; combinava um sabor doce com um sabor salgado. "Isto ?© muito bom!", disse ele, enquanto acabava o resto. "Bom, n??o precisas de ficar t??o admirado", disse Polly. "O que ?©?" "Depois de semelhante resposta, n??o me parece que te v?? dizer. James, n??o precisamos de mais nada." "Com certeza, senhora." O mordomo endireitou-se e continuou a servir os outros convidados. Polly observou Herodotus enquanto ele acabava de mastigar o resto do canap?© e disse: "Onde ?© que ?­amos?" "Acho que n??o ?­amos a lado nenhum." "J?? sei, tu estavas a fazer-me perguntas profundas e inteligentes. V??, mal consigo esperar pela pr??xima." Herodotus acabou o vinho para ganhar algum tempo e decidiu, com um suspiro, falar naquilo que estava a incomod??-lo; bem, numa das coisas que estava a incomod??-lo. Polly n??o parecia ofender-se com perguntas directas. "Sabias", perguntou ele incisivamente, "que tens um boneco de neve no teu jardim da frente?" "O McCool? Pensei que estivesse no quintal. Deve ter ido para o jardim para poder ver os carros a passar, ele gosta disso." Isto deixou-o embasbacado. "Est??s a gozar." Ela fez um grande sorriso, um sorriso que iluminou a sala como um raio de luz. "Claro que estou, tonto", disse ela, esticando o bra?§o e pondo-lhe a m??o no joelho num gesto de simpatia. "O McCool n??o pode ir para lado nenhum, ele n??o tem pernas! Isso foi sempre o que me fez confus??o com o Frosty, aquele boneco da can?§??o, sabes? Como raio ?© que ele adorava dan?§ar quando bonecos de neve n??o t??m pernas nem p?©s? Mas a can?§??o ?© gira6 (#litres_trial_promo)." O toque dela deu-lhe no joelho um choque de... algo. N??o era de calor, embora ele estivesse quente, mesmo com o ar condicionado; n??o era electricidade, embora ele sentisse todo o corpo num formigueiro. Nem era desejo, embora o que ela trazia vestido o deixasse muito consciente da sua feminilidade. Era... outra coisa qualquer, e era decididamente uma coisa boa. Ele come?§ou a dizer "Mas como...", quando ela o interrompeu. "Lamento, senhoras e senhores, o tempo para as quest?µes da audi??ncia terminou. Talvez mais tarde, se te portares bem, mas agora j?? devia estar a fazer exerc?­cio, que era o que eu estava para come?§ar a fazer quando tu apareceste. Da?­ estas roupas. Anda fazer-me companhia para o gin??sio." "E os teus convidados?" "N??o te preocupes com isso, eles ficam bem por um bocadinho. O James e a Fifi encarregam-se deles." "Eu n??o fa?§o muito exerc?­cio", disse Herodotus, sem acrescentar que, na opini??o dele, a ??nica coisa pior do que fazer exerc?­cio era ver outra pessoa a faz??-lo. "Vai sem mim, eu fico aqui a fazer festas ao gato ?  espera que o motorista arranje o meu carro." "Nem penses nisso!", disse ela, saltando do sof?? e agarrando-lhe no bra?§o. Midgnight tomou isto como um sinal para saltar do colo de Herodotus e ir-se embora. "Eu adoro exibir-me", continuou Polly, "e n??o posso exibir-me se estiveres aqui em baixo." Ela puxou-o para longe do sof??. "Considera isto como retribui?§??o pela minha hospitalidade." Ele percebeu que ela era o mais parecido com a For?§a Irresist?­vel que ele alguma vez iria encontrar, e por isso deixou-a gui??-lo para fora do sal??o e pelo corredor central at?© ?  parte de tr??s da casa. Afinal, pensou ele, havia certamente maneiras piores de passar o tempo do que a olhar para uma rapariga bonita a suar num body justo. Quando chegaram ao fim do corredor j?? estava um elevador com a porta aberta ?  espera deles. Polly carregou no bot??o para o terceiro andar, e Herodotus viu que havia bot?µes at?© ao n??mero treze, e ainda um marcado "R". "Eu ia jurar que a casa s?? tinha dois andares", disse ele quando as portas do elevador fecharam. Nesse momento, o elevador disparou com uma velocidade a que nenhum elevador bom do ju?­zo se teria atrevido. Herodotus sentiu-se como se os joelhos estivessem prestes a ultrapassar-lhe o queixo e sair pela cabe?§a, e o est??mago parecia ter ficado no r?©s-do-ch??o. "Oh, deves ter visto s?? a frente", disse Polly sem dar grande import??ncia ?  pergunta impl?­cita. "As traseiras s??o muito maiores. Cheg??mos." O elevador parou t??o abruptamente que deixou o pobre Herodotus a sentir-se como gelatina. Quando as portas se abriram, ele viu o que parecia o corredor de um hotel luxuoso com portas de ambos os lados. N??o havia n??meros nas portas nem nenhuma indica?§??o do que estava atr??s de cada porta; ?  excep?§??o de que uma delas era verde. Despachada e ligeira, Polly seguiu pelo corredor. Desta vez n??o teve de puxar Herodotus pela m??o; aquela viagem de elevador tinha-o deixado com os nervos em franja e ele n??o tinha vontade nenhuma de ficar para tr??s, perdido nesta mans??o cada vez mais confusa. Ela parou ao chegar ?  porta verde. "N??o podes entrar aqui", disse. "Porque ?© que eu quereria entrar aqui?" "Porque ?© proibido", disse ela ominosamente. "Eles querem sempre entrar quando eu digo que ?© proibido." Ela continuou a andar e parou em frente a uma porta do lado esquerdo mais ou menos a meio do corredor. "Isto ?© o gin??sio", disse ela. "Entra!" Era um sal??o grande, t??o grande como um gin??sio de uma escola, e n??o era propriamente aquilo que Herodotus estava ?  espera. N??o se via nenhuma passadeira de corrida, nem bicicleta fixa, nem el?­ptica, nem m??quina de muscula?§??o, nenhuma da parafern??lia do costume. Em vez disso via-se uma mesa de salto, barras paralelas, um trap?©zio, uma corda bamba esticada a dois metros e meio de altura, e muitos tapetes cinzentos de gin??stica espalhados pelo ch??o. "Ent??o ?©s acrobata?", perguntou Herodotus, com alguma hesita?§??o na voz. "S?? firrosoficamente", disse ela a parodiar um sotaque chin??s. Herodotus estava confuso, e isso via-se claramente na sua express??o. "Tu tens de ter visto o Tony Randall no ???As sete faces do Dr. Lao???", disse Polly, em tom de pergunta. Quando Herodotus abanou a cabe?§a, ela exclamou: "Oh, mas tens de ver! Dirigido por George Pal, com gui??o de Charles Beaumont, ?© um filme que merece ser beatificado!" Ela voltou ent??o ao assunto presente. "A gin??stica acrob??tica ?© um excelente exerc?­cio e ajuda-me a manter esta figura jovem e esbelta que tens estado a admirar sempre que pensas que eu n??o dou conta." Herodotus corou, mas na voz de Polly s?? se ouvia orgulho quando disse: "Olha para isto." Havia uma corda ao lado do trap?©zio por onde ela trepou at?© chegar ?  barra e pendurar-se nela. Come?§ou ent??o a balan?§ar, cada vez mais alto, at?© que, num movimento fluido, deu um salto mortal no ar, enganchando os joelhos na barra. Ergueu-se ent??o, devagar, primeiro at?© estar sentada, depois at?© estar em p?© com os p?©s afastados. Herodotus come?§ou a aplaudir, mas ela interrompeu-o. "Oh, isto n??o ?© nada", disse ela com um toque quase impercept?­vel de impaci??ncia na voz. "Guarda o aplauso para o fim do espect??culo." Inclinando-se para a frente, deixou-se cair enquanto se curvava pela cintura para agarrar de novo o trap?©zio com ambas as m??os. O impulso levou-a a dar uma volta completa ?  barra, no fim da qual ela abriu as pernas no ar e ficou de cabe?§a para baixo. Aguentou esta posi?§??o sem tremer nem deslizar por uns bons quinze segundos, at?© que subitamente se soltou, caindo em queda livre e, no ??ltimo segundo, enganchando os tornozelos nos extremos da barra, onde as cordas a prendiam. Movimentou ent??o a perna esquerda lentamente para o lado e ficou com o p?© esquerdo suspenso no ar. Manteve esta posi?§??o por alguns segundos, s?? para provar que n??o era por acaso que estava pendurada apenas pelo tornozelo direito numa barra de trap?©zio, ap??s o que se dobrou sobre a cintura sem qualquer esfor?§o para novamente se agarrar com ambas as m??os. Inclinando-se para a frente e para tr??s, fez o trap?©zio balan?§ar, cada vez mais alto com cada arco desenhado. Ao atingir o ponto mais alto de um dos lados, largou ent??o o trap?©zio e atirou-se em voo pelo ar, enrolou-se sobre si pr??pria e deu dois saltos mortais antes de se esticar de novo e aterrar, em perfeito equil?­brio, no centro da corda bamba. "Nada de aplausos, por favor", lembrou ela, "mas n??o tenho nada contra um pequeno suspiro de admira?§??o nesta altura." Mas sem esperar por ele, come?§ou a andar para um lado e outro ao longo da corda, t??o segura como se estivesse a andar no ch??o. Ao aproximar-se do centro da corda, dobrou os joelhos e deu um salto mortal para tr??s, e outro, e um terceiro, aterrando de cada vez de p?© em perfeita seguran?§a. "Agora chegou a altura de a audi??ncia participar nos jogos", disse ela. "Est?? ali um monociclo. Podes passar-mo, por favor?" Herodotus foi buscar o monociclo e passou-lho. Sem se preocupar a agradecer-lhe, ela equilibrou a roda na corda e montou com cuidado, come?§ando ent??o a pedalar ao longo do fio, para um lado e para o outro. Uma vez chegando de novo ao centro da corda, ela parou, continuando a equilibrar-se no monociclo, e pediu: "Chega-me aquela vara e o prato." Herodotus obedeceu. A vara tinha quase um metro de comprimento e cerca de cent?­metro e meio de di??metro. Ela pegou-lhe pelo meio, equilibrou o prato na ponta e f??-lo girar com for?§a; e, dando ainda mais impulso com a m??o, f??-lo girar cada vez mais depressa. Quando ficou satisfeita com a velocidade do prato, pegou na vara com as duas m??os, inclinou a caba?§a para tr??s e equilibrou a ponta livre na testa. Afastou ent??o as m??os at?© os bra?§os estarem esticados na perpendicular ao corpo e come?§ou a pedalar para a frente e para tr??s em cima da corda. "?? agora que eu te conto o grande segredo do Universo", disse ela, sem tirar os olhos do prato. "Toda a sabedoria das civiliza?§?µes condensada numa ??nica palavra: equil?­brio. Mant?©m-te em equil?­brio e o mundo ?© a tua ostra. Assumindo que gostas de ostras, bem entendido, sen??o a met??fora n??o funciona." Ela continuou a equilibrar a vara na testa por mais um minuto inteiro. Pegou ent??o nesta com a m??o direita, tirou-a da testa e deixou-a cair ao ch??o. Apanhando no mesmo movimento o prato com a m??o esquerda, olhou para Herodotus, dizendo: "Apanha!", enquanto lho atirava, mas permanecendo no monociclo em cima da corda, pedalando para a frente e para tr??s completamente ?  vontade. Finalmente, ela desmontou do monociclo com tanta facilidade como tinha montado, e devolveu-o a Herodotus. Curvando-se pela cintura, agarrou a corda, deu uma cambalhota, deixou cair as pernas at?© ficar pendurada s?? pelas m??os, e saltou graciosamente para o tapete no ch??o, os bra?§os ainda erguidos em triunfo. "OK, agora j?? podes aplaudir", disse ela. Herodotus j?? tinha passado a fase do aplauso h?? muito. Apesar do seu mau humor geral, disse entusiasmado: "Isto foi absolutamente fabuloso! ??s acrobata profissional?" Polly baixou os bra?§os e fez uma v?©nia. "Nunca me pagaram para isto, portanto acho que n??o passo de uma amadora cheia de talento. Mas gosto de praticar na mesma. Tens fome? Fico sempre esfomeada depois de um exerc?­cio funambulesco." O pequeno-almo?§o j?? l?? ia h?? muito tempo, e n??o se podia dizer que aquele canap?© tivesse propriamente saciado Herodotus, mas ele n??o quis pedir mais nada directamente. "Odeio incomodar assim, j?? fizeste tanto..." "N??o h?? problema. Vou p??r o Mario a preparar-nos qualquer coisa." "Hum, importavas-te que eu usasse a casa de banho para me refrescar antes de comermos?" "Ora essa! Antes isso do que usares um dos cantos da sala. Anda da?­." Ela conduziu-o de novo para o corredor: "?? a segunda porta ?  esquerda daquele lado, mas n??o entres na porta verde! Quando acabares, apanha o elevador para o r?©s-do-ch??o, encontramo-nos l??." Ele chegou ?  casa de banho, entrou, fechou a porta, encostou-se a ela e fechou os olhos. Era bom ter pelo menos uns minutos de privacidade. Polly era muito bonita e muito simp??tica, mas tamb?©m muito... intensa. Sim, era essa a palavra. Intensa. Deu um suspiro profundo, abriu os olhos... e voltou a fech??-los. N??o o surpreendia que Polly n??o tivesse uma casa de banho normal, mas esta ultrapassava tudo aquilo que ele podia ter imaginado. Abriu os olhos de novo para apreciar o espect??culo. O papel de parede e o tecto formavam uma ilus??o de ??ptica do que parecia ser uma enorme catedral, talvez at?© a Abadia de Westminster. A divis??o j?? era, em si, maior do que uma casa de banho normal, o que ajudava ao efeito. A sanita era, literalmente, um trono - uma pe?§a elaborada esculpida em madeira escura de carvalho com embutidos de marfim e pedras preciosas. Os apoios de bra?§os terminavam em esculturas de cabe?§as de le??o e os quatro p?©s eram garras fincadas em esferas. As costas estavam estofadas com veludo cor-de-vinho e havia um raio de luz a incidir na tampa que parecia vir de um vitral algures no tecto. Havia um rolo de papel higi?©nico num suporte discreto num dos lados da escultura. Ele foi at?© ao trono e levantou cuidadosamente a tampa, constatando com al?­vio que o interior era o de uma sanita normal. Aliviou-se ent??o, ap??s o que, como a mulher - em breve ex-mulher, pensou ele - o tinha treinado, fechou de novo a tampa. Ao curvar-se para o fazer, reparou que o papel higi?©nico era fora do vulgar, e esticou-se para lhe tocar. N??o era papel. Era seda. Ele foi at?© ao lavat??rio, que se parecia muito com uma pia baptismal octogonal que ele tinha visto durante uma visita guiada de igrejas antigas. O ralo e as torneiras eram feitos de ouro maci?§o e, quando as abriu, a ??gua que jorrou tinha um aroma ligeiro a rosas. Os sabonetes tinham a forma de pequenos cisnes, e as toalhas individuais para as m??os eram de linho e dobradas em origami com a forma de cisnes. Ele olhou para o pr??prio reflexo no espelho enquanto lavava as m??os. "Em que ?© que me meti?", perguntou-lhe ele em voz baixa. "Ser?? que isto ?© uma vers??o ainda mais surreal do ???Hotel California???? Quem ?© esta rapariga, o que ?© este lugar?" Mas o seu reflexo n??o tinha respostas, e por isso ele secou as m??os e saiu para o corredor. O elevador estava ?  espera dele de portas abertas quando ele chegou ao fundo do corredor. Carregou no "R/C" com algum receio, e o elevador disparou pelo po?§o abaixo como se o cabo tivesse rebentado, parando depois s??bita mas gentilmente. "Isto dava uma atrac?§??o fant??stica num parque de divers?µes", murmurou de si para si. Saiu ent??o para o corredor do r?©s-do-ch??o, mas n??o havia sinal de Polly, e portanto ele ficou ?  espera. Foi quando de uma das portas entrou, no corredor, num passo descontra?­do, um le??o, grande e com uma enorme e bela juba. Herodotus gelou por dentro; e come?§ou a recuar lentamente, afastando-se do animal. As portas do elevador tinham-se fechado nas suas costas, mas ele encostou-se a elas com tanta for?§a quanto pode. O le??o olhou de relance para ele, e ele reparou que ele era ligeiramente vesgo. Ignorando-o ent??o, afastou-se e entrou noutra porta mais ?  frente. Ap??s alguns segundos Herodotus apercebeu-se de que se tinha esquecido de respirar. Come?§ou ent??o a inspirar profundamente para tentar acalmar os nervos. Polly apareceu vinda de outra porta. Tinha mudado de roupa de novo, e trazia agora umas cal?§as de ganga justas, sapatilhas e uma T-shirt branca que dizia ???I believe in me!??? em grandes letras azuis na frente. Mesmo com um conjunto t??o simples ela ficava imensamente sexy. "H????¦", disse ele hesitante, "tens um le??o a passear pela tua casa." "Oh, ?© o Bert. N??o lhe ligues. Ele tem mais medo de ti do que tu dele." Mas para Herodotus tinha acabado o tempo das subtilezas. Encarou-a, olhos nos olhos, e disse: "Mas quem ?©s tu, exactamente?" Ela respondeu com uma express??o algo confusa: "J?? te disse isso. Sou a Polly." "Polly qu???" "Polly Qu?? o qu???" "Qual ?© o teu apelido." "N??o, Qual n??o ?© o meu apelido." "Muito engra?§ado", disse ele irritado. "Diz-me o teu ??ltimo nome." "Preciso absolutamente de ter um?" "Toda a gente tem um apelido." "Cher. Madonna. Prince." "Isso s??o nomes art?­sticos. Eles t??m um nome legal, com apelido." "Talvez Polly seja o meu nome art?­stico." "Est??s em palco, ent??o?" "Constantemente", disse ela, agora a come?§ar a soar aborrecida. "O que eu quis dizer..." "Pois podes meter a viola no saco!" Os olhos dela brilharam subitamente de f??ria. "Como ?© que te atreves a entrar por aqui adentro como se tivesses o rei na barriga e interrogar-me como se eu fosse uma criminosa? Tens uma lanterna no bolso ou est??s contente por me ver? O que ?© que te interessa qual ?© o meu apelido, ou se eu tenho sequer um? J?? n??o ?©s bem vindo aqui. Sai da minha casa imediatamente!" Herodotus foi apanhado de surpresa por esta mudan?§a s??bita de disposi?§??o. "Mas..." "Nada de ???mas???. Sai. Imediatamente!" E apontou zangada para a porta da frente da casa. E depois bateu o p?©. O ch??o tremeu. H?? um jogo muito popular entre os californianos: adivinhar o grau da escala de Richter de um terramoto sempre que sentem um. Quase inconscientemente, ele avaliou este como um pequeno terramoto, algures entre o tr??s e o quatro da escala. Mas ele n??o teve tempo para pensamento consciente, porque Polly avan?§ou em direc?§??o a ele, os olhos acesos com ira. Ele virou-se ent??o e foi em passo r??pido at?© ?  entrada, abriu a porta e saiu para o alpendre. Polly foi atr??s dele e atirou com a porta da rua, fechando-a com um estrondo. "Bem, isto podia ter corrido melhor", murmurou ele de si para si. Ali, de p?©, no meio do calor ardente do deserto, olhou para a estrada onde o carro dele tinha avariado. Por um momento esperou ver o motorista de Polly a trabalhar nele, com o ch??o cheio de pe?§as desmontadas do motor. Mas n??o havia nada: nem carro, nem motorista, nem pe?§as. Herodotus olhou primeiro para a estrada, incr?©dulo, depois para a porta da mans??o atr??s dele, subitamente intimidante. Abanando vigorosamente a cabe?§a, desceu lentamente os degraus da entrada e aproximou-se do boneco de neve, que ainda n??o mostrava nenhum sinal de derreter ao sol. "Ol??, McCool", disse ele. "O meu nome ?© Herodotus, mas podes chamar-me Rod. O que ?© que se passa com a Polly? Parecia t??o simp??tica, e depois atira-se a mim e expulsa-me de casa dela. E ?© t??o bonita que n??o consigo tirar os olhos dela. Mas ?© t??o esquisita. V??-se que tem dinheiro, que tem talento, mas n??o parece querer ou reivindicar absolutamente nada, excepto aquilo do apelido. Pergunto-me o que estar?? por detr??s dessa hist??ria..." "E ?© t??o misteriosa. Tantas coisas estranhas acontecem ?  volta dela e ela n??o parece dar conta de nada. Tu, por exemplo. Sem ofensa, McCool, mas, por todas as leis naturais, tu nem devias estar aqui. E, no entanto, aqui est??s. Ou uma casa maior nas traseiras do que na frente. Eu vi a casa quando me aproximei a primeira vez - toda a casa tem dois andares! Le?µes a passear pelos corredores... E agora estou aqui abandonado: n??o tenho carro e n??o posso andar quil??metros pelo deserto. S?? me resta falar com bonecos de neve." Конец ознакомительного фрагмента. Текст предоставлен ООО «ЛитРес». Прочитайте эту книгу целиком, купив полную легальную версию (https://www.litres.ru/pages/biblio_book/?art=40850381&lfrom=688855901) на ЛитРес. 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